Diz uma composição da cantora Fanta Konatê, que não é o fato de haver pessoas pregando o fim do mundo que o mundo vai acabar (Yelema so). Em outra, ela questiona a razão de algumas pessoas sentirem prazer em esnobar as outras, sem se darem conta de que todos vamos partir um dia (Uolobá). Eis o tom de chegada do álbum Fanta Konatê, e sua vida cantada em ritmo de ecologia comunitária e universal.

Mensagens de paz, alegria e fraternidade saem do ser profundo em cantos que jorram de dentro do peito dessa artista que encanta com sua energia e intensidade. Tambores, cordas e metais falantes tocam valores, crenças e venerações de um acervo de signos sonoros e humanos, evocados em movimentos rituais, artísticos, espirituais e sociais.

Em seu canto sagrado, Fanta Konatê responde a um chamado de sentimentos que atravessam o tempo no eco invisível de um sistema de expressão da oralidade. No disco que leva o seu nome, os temas trafegam por um campo de seres e quereres pulsantes, desencadeando ligas emotivas entre quem a escuta e o gestual potente que escapa do seu mundo interno.

Ela sente para onde se dirigem suas mensagens porque sabe de onde elas se originam. Não sejamos materialistas, argumenta, mesmo que muitas pessoas nunca amem a quem não tem dinheiro (Milé). Ouviu isso dos Djembefolás (tocadores de djembé) e confirma que não é bom depender das coisas para ser feliz. E convoca a todos para dançar, para cantar belas melodias e para ser alegre, deixando também a fofoca de lado, essa mania de falar por trás, que torna difícil a vida em sociedade (Obetefó).

A ancestralidade dinâmica, que passa pelo futuro e inquieta o presente na música de Fanta Konatê, manifesta-se no lindo lamento, no qual ela canta a tristeza que sente pelas pessoas que passam fome e precisam de solidariedade (Kini Kini). O que fazer para multiplicar a felicidade, pede uma espécie de oração da gentileza nas coisas mais simples, como não fazer a maldade de assediar uma mulher bonita (Massô Nhumá / Momain). Isso tudo é falta de respeito, insulto e ingratidão (Kedofé).

Como filha do Império Mandinga (Mandén), que teve seu apogeu no oeste africano entre os séculos XIII e XIV, Fanta Konatê canta que a união do seu povo nasceu dentro do amor, da diversão e do trabalho. Faz isso com muito encantamento, acompanhada pelos músicos Barba Marques, Pablo Prearo, Manu Neto, Fabio Serra, Josué Batista dos Santos, Richard Ferrarini, Koria Konate, Luis Kinugawa e a participação especial do Mestre Solo Keita.

Para cantar a África sagrada que carrega em si, Fanta Konatê desloca para a sua arte tramas seculares das culturas que fizeram o território habitado pelos Keitá, Konatê e outros clãs mandingas. A magia dessa obra musical tem desde os segredos dos bosques e das florestas, revelados pelos mestres caçadores, até o belo colorido da tecelagem regional, e os ventos arenosos que açoitam as caravanas dos pastores nômades.

É um disco que traz ainda variantes musicais do espírito das gentes das savanas, dos agricultores sahelianos, dos mercadores transaarianos e de tantos fragmentos dos abusos e das contribuições coloniais. Fanta Konatê nasceu em uma aldeia no interior da Guiné-Conacri e sua mensagem tem a grandeza das fontes orais tradicionalizadas, que dão permanência à alma africana.