A continuar ingerindo superdosagens de concentração de renda e de riqueza, de massificação da ideologia do consumismo e de perpetuação das desigualdades de direitos e do desrespeito ao meio ambiente, a humanidade dificilmente sairá do estado de envenenamento físico, mental e espiritual no qual se meteu. Entre as substâncias sociais insalubres identificadas como causadoras dessa intoxicação, estão a pressa desnecessária e a padronização cultural.

No sentido contrário a esse caminho devastador surgiu em meados da década de 1980, na cidade italiana de Bra, a proposta do Slow Food, movimento internacional que tem como filosofia a alimentação sem pressa, o respeito a quem produz e os cuidados com a Terra. Almocei por esses dias no agradável pátio da Osteria del Boccondivino, naquela cidade piemontesa, onde funciona a sede da organização.

Os milhares de participantes do Slow Food, espalhados por mais de 160 países, acreditam na força transformadora da gastronomia nos âmbitos da agricultura, da ecologia e da política. A ideia é enfrentar o poder homogeneizante do fast food, a agressão ambiental provocada pela monocultura, o uso de pesticidas e os desequilíbrios sociais decorrentes dos latifúndios, com atitudes simples como o convívio à mesa e o consumo de produtos orgânicos, saborosos, seguros, variados e que tenham preço justo.

Em seu livro Terra Madre (Slow Food Editore, Bra, 2009), que é também o nome da rede formada por comunidades de alimentos do Slow Food, o fundador do movimento, Carlo Petrini, esclarece o quanto faz-se necessário ir além do nível teórico para tratar de comunidade alimentar. “É importante saber o que realmente ocorre em cada lugar, de modo que se compreenda a imensa heterogeneidade e as vocações que as caracterizam” (pág. 44). Uma das grandes preocupações identificadas nesse sentido é a extinção de produtos causada pela comoditização do agronegócio.

Petrini é jornalista, nasceu e vive em Bra, um lugar com 28 mil habitantes, cujo nome vem de palavras antigas que significam ‘pastagem’. Localizada na província de Cuneo, uma região de farta produção de vinhos, trufas brancas, queijos e carne bovina, essa cidade é conhecida por sua salsicha feita com uma mistura de carne magra com gordura de porco, e por sediar, no distrito de Pollenzo, uma Universidade de Ciências Gastronômicas, idealizada por ele, na qual são desenvolvidos estudos e pesquisas gastronômicas em interação com o campo, a partir da história, da memória, da literatura, da ciência e da economia.

O que torna o Slow Food atraente e facilmente aderente por parte de quem se interessa pelo equilíbrio do Planeta é o seu conceito prático de sociobiodiversidade, em um mundo dominado pela ganância desenfreada das corporações multinacionais que querem controlar os alimentos do mundo e, para isso, destroem ou inviabilizam os sistemas agrícolas tradicionais, envenenando a natureza e contaminando as populações das áreas onde atuam.

A cada dia torna-se mais urgente o desenvolvimento de ações voltadas para a potencialização dos processos e técnicas de cultivo orgânico e para a defesa da fauna e da flora nativas em todo o mundo. Mais do que satisfação de necessidades, comer é um ato de prazer e uma atitude política. É isso que move esse movimento que tem como símbolo um simpático caracol, com seu andar lento e sua missão natural de carregar a casa nas costas.