Já esqueci muita coisa triste que vi no mundo, mas sei que não esquecerei de ter visto tanta gente sem máscara em um tempo de pandemia, quando usar esse instrumento de proteção é um dos principais gestos de quem se preocupa em evitar a transmissão do novo coronavírus. Provavelmente nunca entenderei os motivos que levam essas pessoas a serem tão individualistas e insensíveis diante de uma tragédia que em tão pouco tempo já matou mais de meio milhão de pessoas pelo planeta.

O que significam tantos óbitos para quem não usa máscara é uma questão presente na mundialização das contradições humanas que se intensificam com a Covid-19. Que rostos são esses que revelam um afrontoso descaso com o coletivo? O que pretendem comunicar com essa atitude? Estarão se escondendo da realidade? Se pudessem se ver sem máscara, o que diriam de si? Se perguntariam quem são? Veriam seus rostos internos? O que impulsiona essas pessoas a colaborarem com a contaminação e o que as impede de contribuir para a redução dos infectados e, por conseguinte, de aflições e mortes?

Vivemos uma dualidade comportamental nessa pandemia, e o uso ou não uso de máscara comunica por si o que está se passando. Andar de máscara simboliza consciência social, engajamento. É algo que une as pessoas em uma causa, que identifica postura de cuidado com o coletivo e que traduz compromisso humanitário. A resistência à máscara é uma manifestação de insegurança em indivíduos que invadem a vida social, demonstrando desrespeito para com o outro, em um comportamento típico de egoísmo e negatividade instrumental.

Revoltado com a atitude egocêntrica das pessoas que aparecem flanando nas aglomerações urbanas, o médico Dráuzio Varella escreveu o artigo A Máscara em sua coluna do domingo passado (5/7), na Folha de S.Paulo (p. B11), por meio do qual questiona o que leva tanta gente a não usar máscara, tornando-se um transmissor ambulante do vírus, levando sofrimento e morte aos demais e causando prejuízos enormes com o aumento de despesas com tratamento e hospital, ameaçando de colapso o serviço de saúde. “Qual é a dessas pessoas? Não sabem que há uma pandemia?”.

A indiferença demonstrada por quem se nega a usar máscara é realmente lamentável. O pior dessa atitude condenável é a evidência do número relevante de pessoas que não são mais afetadas emocionalmente com calamidades e que deixaram para trás a capacidade de sentir o vínculo com o próximo. O semelhante perdeu o seu significado, tornou-se adversário na luta pelo empoderamento cênico das satisfações individuais e sua conduta destrutiva. A opção pelo não uso de máscara reflete e reforça a fragilidade social diante da banalidade existencial.

Todos somos afetados uns pelos outros. Em uma pandemia como essa, quando a proteção às vias respiratórias humanas é fundamental para salvar vidas, não usar máscara é uma maneira de se esconder por trás de uma cara lisa. A máscara, protegendo o nariz e a boca, não é um simples objeto, é um discurso. Cada pessoa de máscara diz que acredita nas demais, que tem fé na humanidade. Já aquelas que refutam o uso de máscara dão sinais de que preferem a condição conflitiva do sadismo velado e do gosto genocida. Ou seja, consciente ou inconscientemente o egocêntrico também está de máscara, uma máscara invisível sob a qual manifesta a sua estupidez.