Quando a indústria fonográfica convencional dominava o mercado mundial da música, gravadoras como a Warner, Universal, Sony e EMI – as chamadas majors – ditavam os parâmetros dos gêneros que estavam nas suas estratégias de investimento. Tudo o que internacionalmente não se encaixava em rock, pop, country, folk, balada, erudito etc, ia para jazz e folclore. Hermeto Pascoal, Milton Nascimento, Flora Purim, Victor Jara, Soledad Bravo e outros artistas que não cabiam em tais classificações eram arrumados nessas prateleiras.

Isso sem contar que o próprio jazz já abrigava artistas de vários estilos, que iam do swing ao ragtime, passando pelo standard jazz. Depois chegou o acid jazz e outras subcategorias ordenadas como latin-jazz, jazz afrocubano, brazilian jazz, e a lista foi ficando infindável em suas gradações, camadas e misturas de rumba, salsa, ska, zouk, son, calypso, samba, baião e tantos e tantos outros ritmos e estratos sonoros e conceituais.

Com os avanços da música de outros continentes no mercado estadunidense e europeu, as gravadoras já não podiam dizer que um Youssou N’Dour, um Fela Kuti, um Zap Mama, um Khaled, uma Elis Regina, uma Bjork eram jazz. Daí inventaram a World Music, balaio de sons onde agrupavam as músicas que não cabiam nos rótulos tradicionais. Importante dizer que fora disso sempre ficou a maior parte da música do mundo, aquela que não servia aos interesses do mainstream.

Com o advento do mercado internacional de conteúdos digitais, o que antes aconteceu com o jazz se repetiu com a World Music. A nichificação de gêneros que foram sendo descobertos e criados na dinâmica das novas tecnologias e das redes de distribuição de streaming e downloads tornou inadequada essa classificação. As playlists desse novo mundo já têm quase dois mil gêneros registrados, além de reggae, heavy metal, electro, punk, R&B, rap, funk, folk, MPB, sertanejo, frevo, bolero, pagode, forró, axé, gospel, afrobeat, dance e outros mais conhecidos.

O mercado internacional de música saiu do controle da indústria e foi para o comando do comércio. É o setor de serviços de distribuição de música digital que faz a festa. Spotify, Deezer, Apple Music, iTunes e YouTube são alguns dos nomes das dezenas de plataformas de ouvir e baixar música, presentes em todos os continentes. Com essa nova configuração de negócios, a música de nicho decantou a World Music.

O fato de muitos autores independentes e dos pequenos selos indie poderem enviar seus trabalhos por meio de empresas de distribuição tem ampliado a diversidade de gêneros musicais, e a tendência é que isso se multiplique mais e mais. A quantidade de estilos existente no ecossistema musical do mundo é quase incontável, principalmente se considerarmos os desdobramentos que as fusões, mesclas e trocas de influências possibilitam.

As novas corporações que assumiram o controle mundial do mercado de música, diferentemente das gravadoras tradicionais, estão, por meio de algoritmos, criando agrupamentos de nichos que facilitem a oferta de afinidades de estilos para os usuários dos seus sistemas de consumo de música. Prevalece, no entanto, a força de quem pode investir mais para bancar a priorização da visibilidade nas telas dos computadores, tablets e smartphones.

Em que pese a predominância das celebridades vinculadas ao mercado do entretenimento, a Música do Mundo começa a ficar mais disponível e a aparecer nas buscas dos interessados em escapar da homogeneidade promovida pela cultura de massa. Os modelos de negócios mudaram, mas as regras do capitalismo seguem as mesmas. De todo modo, está no ciberespaço uma grande oportunidade para quem quer encontrar sons com os quais realmente se identifica e curte. É só procurar.