No trecho da BR-020, entre Santa Cruz do Banabuiú (Cruzeta) e Tauá, interior cearense, deparei com uma inusitada intervenção plástica feita em uma área com incidência de esculturas naturais de granito. Primeiramente vi a figura de um bode no alto de uma pedra e, como tenho uma admiração especial pelo comportamento alpinista dos caprinos, parei o carro para fotografar. Foi quando notei que em outra pedra havia a estátua de um carneiro cabeça preta em altiva posição contemplativa, hábito que não combina com ovinos.

Uma paisagem enfeitada foi sendo descortinada a partir daí. O contraste da luz intensa do sertão não me deixou ver inicialmente que o bode era colorido. E fui me dando conta de que a cerca tinha cor e muitas pedras estavam pintadas. A porteira fechada me levou a cruzar a estrada e me dirigir à casa da fazenda, localizada do outro lado, mas não menos colorida e cheia de objetos nas mais variadas estampas e cores. Perguntei a um vaqueiro se era permitido entrar e ele, gentilmente, se dispôs a servir de guia.

Subimos no conjunto principal de rochas e na parte superior encontramos o proprietário da fazenda fixando nos galhos de uma árvore um cacho de bananas de plástico e um macaco de pelúcia. Ele falou com muita satisfação sobre o que estava fazendo. Explicou que tinha desmatado a área para que as pedras ficassem melhor expostas, com seus enfeites. A estrutura montada é formada por duas piscinas com cascatas e uma réplica do Cristo Redentor carioca no mirante. Muitos objetos kitsch compõem aquela lapinha de seres aquáticos, voadores e terrestres, normalmente encontrados para venda à margem das estradas de acesso ao litoral.

Com o interesse de quem mostra uma obra da qual se orgulha, ele foi simpático na vontade de querer mostrar também a casa da fazenda. Lagostas, jacarés, tartarugas, cavalos marinhos, araras, tucanos, coelhos, veados, corujas, golfinhos, burrinho de cangalha, sol, flores, timão de barco, carro de boi, Branca de Neve e os Sete Anões e muito das representações da fauna, da flora e da cultura espalhados pelos rochedos pareciam ter-nos acompanhado até o jardim. No alpendre, gibões, chocalhos, espingardas e outras peças do universo dos vaqueiros revelavam zelo pela memória do lugar.

Saí dali pensando no que havia visto. O que levaria um criador de bovinos e ovinos de corte a ornamentar sua propriedade com adornos desconexos e pinturas berrantes? Seria apenas distração? Imaginei que não, pois, antes de tudo, aquela instalação me pareceu uma contra manifestação cultural, capaz de fazer algo lateral se tornar principal, subvertendo conceitos estéticos. Alguém que traz consigo a força de uma cultura, mas a quem lhe falta a oportunidade de acesso aos bens simbólicos dessa mesma cultura, sai catando elementos de enfeites com os quais possa externar impulsos subconscientes de embelezamento.

O que mais me deixou intrigado foi observar esse não-sei-o-quê a céu aberto, essa antipoesia que atrai e convida os passantes a parar e a fotografar, embora não pareça possuir valor de culto. Talvez o seu papel seja mesmo o de causar especulações. É uma aparição provocada pelo preenchimento intuitivo combinado por fantasias que vêm da tradição e sucumbem diante de sinais autoeróticos derivados do processo contínuo de influências da cultura de massa na dinâmica social.

Cheguei a pensar que tudo aquilo poderia ser expressão de alguma tendência artística que só existe para negar a si mesma, uma espécie de embriaguez dos sentidos, de dia escaldada pela luz do sol, e de noite arrefecida pelo brilho distante das estrelas. Descartei essa possibilidade porque, mesmo agindo sobre a percepção de quem se espanta com seus adereços, aquela ocorrência não tem significado de arte. O que encontrei naquela viagem, pintado e enfeitado, foi o eco de uma cultura perdida, entrando e saindo de si, como ato de subsistência em busca do belo.