Nas grades laterais de muitas pontes do mundo é comum de encontrar cadeados colocados por casais que, após fazerem declarações de amor, jogam a chave no rio. Como essa, a poética da ponte tem muitas extensões simbólicas. Uma delas é a da amizade. E é por essa ponte que quem acessar as plataformas digitais de música já pode ouvir o som de Most, álbum com nove faixas de Edson Natale e Suba, que reúne composições gravadas entre 1990 e 1992. As gravações têm um quê de manuscrito original em sua prosa de som e poesia de versos sonoros.

Edson Natale é músico, jornalista e escritor paulistano, com ascendência egípcia; gerente de música do Itaú Cultural e coordenador do Auditório Ibirapuera. Autor, dentre outros, dos álbuns Lavoro (1999) e Calvo, com sobrepeso (2007). É organizador do Guia Brasileiro de Produção Cultural, parceria com Cristiane Olivieri. Para crianças escreveu A história do incrível Peixe Orelha e acaba de lançar Balila, a minhoca bípede.

Mitar Subotić, o Suba (1961 – 1999) era um músico, compositor, pesquisador e produtor sérvio, que na última década de sua vida morou em São Paulo, cidade que passou a amar e para a qual compôs o disco solo São Paulo Confessions (1999). De formação erudita, combinava elementos de música formal, eletrônica e ambiental. Era muito requisitado para a produção de trilhas para desfiles e televisão, e foi muito importante como renovador de linguagem em trabalhos de artistas brasileiros, como Clubbing, de Edson Cordeiro, Silêncio, de Arnaldo Antunes, e Fuá na casa de Cabral, do Mestre Ambrósio.

Most, que em sérvio significa ponte, inicia sua travessia com Velhas Almas (Edson Natale / Toninho Mattos), ao som imagético e rodopiante do violino de Alex Braga, com gotas de notas e vaporização do piano de Suba e o andejo refrescante dos violões de Natale e de Carlos Pérren. Segue com Viajante (Edson Natale), cujo movimento de passagem é feito pelos violões de Natale e Toninho Horta, marcação de rastros na percussão de João Parahyba, e uma imensidão de paisagem a horizonte distante avistada pelos teclados de Suba.

Em A Última Lágrima (Edson Natale / Alex Braga), o violão de Natale, o violino de Alex Braga e o piano de Suba se abraçam em sensível lamento aflito. E vem a faixa que Natale dedica ao amigo Suba, que é Perseguindo o pôr do sol (Edson Natale). Vocais de Loren Alves e Edson Cordeiro anunciam o cair da tarde, enquanto os teclados de Suba exaltam a liberdade das cores, em um tingir de nuvens sonoras, espalhadas no céu pelo violão de Natale e a percussão de João Parahyba.

A percussão e a guitarra dos músicos argentinos Alberto Ranellucci e Carlos Pérren juntam-se ao violino de Alex Braga, assumindo a claridade na canção Sol de inverno (Natale / Juju Nogueira / Alex Braga / Toninho Horta), no tempo em que o violão de Natale ponteia e a programação de Suba fala de um caminhar cheio de vida. No cruzamento da ponte, um pouco de frescor de Amor Porteño (Edson Natale / Alex Braga / Alfredo Victor) e de presença, em Agora e na hora de Nossa Morte (Edson Natale). Duas autorias de Mitar Subotić estão nos momentos finais da travessia: Svetlana nº 12, em piano amoroso de Suba e violão de olhar silencioso de Natale, e Svetlana nº 10, na qual o piano de Suba e o violino de Alex Braga ganham essência espiritual, nesse álbum de linguagem fluida, afetiva e existencial.