Logo que a Caixa Econômica Federal lançou a Loteria Esportiva (precursora da Loteca), o sonho de ficar rico de uma hora para outra invadiu a cabeça de muitas brasileiras e de muitos brasileiros.

Os primeiros aparelhos de televisão tinham acabado de surgir em Independência e, naquela primeira metade da década de 1970, as novidades do futebol chegavam basicamente pelo rádio. Vez por outra o saudoso Zereca conseguia a revista Placar para vender na cidade.

O credenciamento de agências lotéricas para a comercialização de cartões de apostas no interiorzão do país era bem lento. A agência mais próxima de Independência estava em Crateús, a 48 quilômetros de distância, por estrada de terra. Hoje esse trecho da BR-226 está asfaltado, mas à época era um poeirão.

Fazer uma fezinha era coisa muito simples. Bastava tentar antever o resultado de 13 partidas de futebol em concursos semanais: marcando um “x” na coluna da esquerda, estava firmada a opção de vitória do time que jogaria em casa; assinalando a coluna do lado direito, a crença de êxito dirigia-se à equipe visitante; e, colocando a sorte no meio, a expectativa era de empate.

Quem acertava todos os resultados fazia os 13 pontos e poderia ganhar muito dinheiro. Para quem vivia a vida dura do sertão, a novidade caía do céu como chuva em dia de São José, o padroeiro do Ceará.

Acontece que as pessoas jogavam, jogavam e nada de o prêmio sair para Independência. Até que um dia o José Airton, que era um dos atletas do nosso time de futsal, o Palmeiras de Independência, resolveu pregar uma peça em todos nós.

Ele tinha um bar na rua das Pedrinhas, onde vez por outra nos reuníamos para ouvir o noticiário do rádio sobre o mundo do futebol, e, consequentemente, escutávamos também os desenlaces da Loteria Esportiva.

Certo dia o José Airton fez questão de conferir os resultados das partidas, exibindo o cartão na mão para quem quisesse ver. A cada placar final que o locutor anunciava, ele gritava: “Acertei”! E, assim, quando faltava apenas o jogo de número 13, ficamos em silêncio total esperando o que não poderia ser verdade.

Foi quando ele levantou os braços e bradou: “Ganhei, pessoal!”. O cartão passou de mão em mão e ninguém teve dúvida: os resultados das 13 partidas estavam marcados corretamente. Foi uma festa. Saímos dali cientes de que tínhamos um amigo milionário.

A notícia espalhou-se pela cidade. Autoridades iam ao bar do José Airton parabenizá-lo. Em meio a tantas comemorações, começamos a perceber que o nosso amigo sortudo estava ficando preocupado com aquela repercussão toda.

De repente, ele sumiu. Ninguém sabia do seu paradeiro. Nesse ínterim, ouvimos no rádio que naquele concurso não havia tido ganhadores do Ceará. “Como assim?”, nos perguntamos, movidos pela certeza de quem tinha acompanhado a conferência de cada resultado e visto o cartão de perto. Demoramos a acreditar que se tratava de uma pegadinha.

Ele tinha repetido o resultado do jogo da semana anterior no cartão daquela semana. Como o comprovante da aposta era feito em um tipo de papel duro, apenas com uns furinhos no local da marcação de cada “x”, não aparecia a lista dos times. Dessa forma, não haveria como termos dúvida de que ele tinha feito os 13 pontos.

A comoção e os repetidos cumprimentos que o José Airton recebeu por conta da lorota que inventou foram tão efusivos que ele começou a duvidar se não havia ganho de fato. Ele tinha sumido da cidade porque de madrugada tomara um ônibus com destino a Crateús na esperança de acabar de vez com aquela incerteza.

O rapaz da loteria, que já estava sabendo do zum-zum-zum, olhou para o José Airton e falou: “Deu zebra”. Esta é uma expressão tirada do Jogo do Bicho que prenuncia o “impossível”, visto que a zebra não está na lista dos 25 animais dessa bolsa informal de apostas que vai de avestruz a vaca. No futebol essa sentença denota o “improvável”, quer dizer, uma partida que dá zebra é aquela que o time mais cotado para perder consegue um resultado surpreendente.

Como todo sujeito espirituoso, o José Airton não perdeu o rebolado. Retornou para Independência, abriu o bar e, a quem perguntava se ele tinha ficado milionário, respondia: “Deu zebra”. Mas, consigo mesmo, certamente pensava como tinha conseguido cair na própria mentira.

Fonte: Rivista do Mino nº 233