Os espetáculos de Antônio Nóbrega são sempre únicos. O artista pernambucano é reconhecido por sua integridade, pela profundidade de sua obra, pela qualidade de suas montagens e pela seriedade com que abraça a arte e as questões brasileiras. Na quarta-feira passada (17), no Teatro Municipal de Osasco (SP), ao fazer o show Semba, no qual passeia em canto e dança por diversas manifestações rítmicas e de sentido, presentes na história do samba, ele mais uma vez honrou sua plateia.

Nóbrega pediu permissão ao público e foi direto ao ponto nevrálgico que tem causado desconforto a quem no segundo turno da Eleição Presidencial é contra o candidato Jair Bolsonaro, do Partido Social Liberal (PSL), mas não consegue votar em Fernando Haddad, por este ser filiado ao desgastado Partido dos Trabalhadores (PT). No próximo domingo, 28, quando formos as urnas, diz o artista, mais do que registrar uma predileção partidária, iremos revelar o nosso grau de civilidade.

Em breve e lúcido comentário, pediu indulgência ante a complexa circunstância eleitoral brasileira. “A nossa escolha está entre um candidato que faz parte de um partido que nos decepcionou, que não cumpriu muito do que prometeu, que destruiu sonhos e abrigou a corrupção; um candidato de um partido que, todavia, nunca colocou em risco a democracia. O oponente dessa candidatura, por sua vez, tem dado, ao longo de sua vida pública, declarações que justamente vão na direção oposta”.

Algumas coisas não podem deixar de ser esclarecidas, sobretudo quando se faz urgente a interrupção do “fluxo do ódio com o qual se quer irrigar nossos corações e mentes”. E Nóbrega fez essa fala com a mesma senioridade, franqueza e coragem com que a cantora venezuelana Soledad Bravo, um dos mais importantes e respeitados ícones do cancioneiro de resistência latino-americano, tem se pronunciado em favor da instauração da democracia em seu país.

A desconfiança dos ex-eleitores petistas e a suspeição dos que votaram em candidatos de outros partidos (mas que defendem a justiça social e o estado democrático de direito), com relação aos responsáveis pelo extravio da identidade da esquerda no Brasil é atenuada por Antônio Nóbrega quando ele argumenta que “não mais se trata de uma escolha entre candidatos ou partidos, e, sim, entre a afirmação da democracia e a ameaça de sua negação”.

Esse apelo à civilidade requer um gesto magnânimo da parte de quem rejeita os que levaram a população a perder a fé na política e nas instituições, para evitar o aprofundamento do pesadelo nacional. Independentemente do que possa estar se passando na cabeça dos controladores do PT, o eleitor consciente deve votar pela democracia, ainda que constrangido. É bom lembrar que a indicação tardia do nome de alguém com a retidão moral e política e a competência do professor Fernando Haddad é um sinal de que alguma mensagem tem surtido efeito.

Antônio Nóbrega fala da “única alternativa possível” para seguirmos evitando “novas fissuras democráticas”. Diante do que ele definiu como “encruzilhada histórica”, mesmo a contragosto o eleitor desperto precisa reunir forças para nutrir o mínimo de esperança que, na eventualidade de ser eleito, Haddad tenha autonomia para conter a corrupção instalada no processo político e promover a concertação pela redução efetiva das desigualdades.