O mês de outubro é um mês a ser celebrado como um marco nas conquistas das mulheres sobre o domínio do próprio corpo porque é o mês de Benigna Cardoso da Silva (1928 – 1941), a menina santanense que morreu, mas não aceitou ser abusada sexualmente por um colega adolescente. Ela nasceu no dia 15 e foi assassinada em 24 em outubro no povoado de Inhuma, em Santana do Cariri, sertão do Ceará.

A tomada de decisão sobre o corpo e o prazer é uma das questões básicas na evolução dos direitos femininos. Somente 65 anos depois da partida de Benigna é que foi criada a Lei Maria da Penha (2006) para tratar da violência contra a mulher. É bem recente a lei do feminicídio (2015), que torna hediondo o assassinato de mulheres por discriminação de gênero.

Benigna tinha 13 anos e, como era comum no interior, saiu de casa sozinha para pegar água no cacimbão de uma fazenda nas redondezas do sítio Oiti, onde havia passado a morar com duas parentas depois de ficar órfã de pai e de mãe ainda na infância. Embora a região fosse muitas vezes assombrada por despautérios do coronelismo armado, esse tipo de deslocamento era feito com tranquilidade.

Com o cair da tarde e com a demora do retorno da menina, as pessoas saíram a procurá-la e a encontraram morta, retalhada a golpes de facão, encoberta de sangue e praticamente degolada. Ao resistir e lutar até a morte para não ser estuprada, Benigna tornou-se uma mártir, e o lugar onde tombou passou a ser um ponto de adoração.

O assassino só foi descoberto e preso por obra e graça de uma brincadeira, como está escrito no livro “Inhumas, território do Geopark Araripe” (2018), do ativista cultural santanense Carlos Eduardo, conhecido também pelas réplicas de fósseis que cria, e da socióloga e historiadora paraibana Anna Christina, professora aposentada da Universidade Regional do Cariri (URCA).

Um grupo de garotos jogava bola quando alguns policiais passaram a cavalo pelo local e um dos meninos gritou por mera zombaria: “Corre, Raul, que lá vem a polícia te pegar” (p.37). Assustado por não entender como os amigos poderiam saber do seu crime, correu, foi pego e confessou o que havia feito.

A cronista santanense Laudícia Holanda, que nasceu em 1944, três anos depois daquele delito cruel, relata em seu livro “Retalhos de Seda” (2002) que foram muitas as noites de sono que passou na infância pensando na triste história daquela menina. “As pessoas benziam-se quando falavam no assunto” (p.53). De comovente, a história de Benigna ganhou uma atmosfera de santidade.

O Vaticano está com tudo pronto para a qualquer momento promover a beatificação de Benigna por suas graças consentidas. Há décadas que romarias vêm sendo feitas à terra dessa menina. A cidade já construiu um memorial (2005) de pedra laminada, onde estão expostos objetos, imagens, documentos e um nicho de ex-votos, entre os quais destaca-se o seu vestido vermelho de bolinhas brancas.

Nicho de ex-votos no Memorial Benigna, em Inhuma, Santana do Cariri, Ceará. Foto de Flávio Paiva.

Santana do Cariri dispõe de vários pontos de visitação em torno de Benigna: as ruínas da casa onde ela morou, o prédio da escola, a trilha da cacimba e a igreja matriz onde seus restos mortais estão sepultados. O lugar, que já é conhecido por seu Museu de Paleontologia, pelo mirante do Pontal da Chapada e pelos afloramentos de calcário laminado, ganha mais visibilidade com o reconhecimento de Benigna nos campos da religiosidade, o que pode ser também um símbolo da determinação feminina no controle de suas escolhas.