Não é fácil para o povo brasileiro escapar de tantas campanhas eleitorais que exploram as pulsões de sobrevivência, em circunstâncias tão conflituosas como as que, desde 2016, vêm decorrendo da anulação da legalidade democrática por força de uma ação de ilegitimidade jurídico-parlamentar. Mas se a inteligência coletiva da miscigenação funcionar mais uma vez, essa ruptura institucional tende a ser reparada em outubro, nas urnas da primavera brasileira.

Confirmada essa tendência, o eleitor terá dado dois recados: às forças conservadoras, secularmente mal acostumadas a mudar as regras do jogo toda vez que são contrariadas, passará a mensagem de que nos novos tempos apresentar uma proposta de país é melhor do que insistir em golpes; e, às forças de esquerda, que, apesar de todos os acertos favoráveis à redução das desigualdades, cometeram erros inconcebíveis no exercício do poder, dirá generosamente que elas têm uma nova chance de governar.

Por enquanto, a polarização exacerbada é a maior ameaça à vida democrática e ao que resta de bem-estar social no Brasil. Se eleito o candidato de ultradireita, um regime de exceção assumirá o poder civil por meio do voto, e as consequências disso serão a generalização autorizada da violência e a dependência dos interesses da indústria bélica transnacional. Se eleito um candidato de esquerda ou de centro-esquerda, há ainda uma possibilidade da não aposta em extremismos, e, sim, no restabelecimento institucional.

Os governantes eleitos para recompor o processo democrático interrompido terão sobre os ombros a expectativa de redesenho de ideias e forças para construir uma concertação nacional e retomar o espaço de voz do Brasil na geopolítica mundial, dentro da visão e da prática requeridas às novas lideranças sociais, culturais e políticas. E serão exitosos se, antes de tudo, tomarem consciência de que patrimonialismo, fisiologismo, personalismo, caráter messiânico e estímulo à segregação ressentida não combinam com os ideais de esquerda.

O estado de tensão instaurado no país produz uma narrativa de negação da política, e isso é o pior dos mundos, pois vai retirando das pessoas a convicção de que mudar, não mudar ou regredir passa pela política. “Se a política parece, hoje, atravessar um eclipse permanente, no qual se apresenta em posição subalterna em relação à religião, à economia e até mesmo ao direito, isso é porque, na medida em que perdia consciência de seu estatuto ontológico, ela deixou de se confrontar com as transformações que progressivamente esvaziaram de dentro de suas categorias e conceitos” (2015, p.9, Autêntica), resume o pensador italiano Giorgio Agamben no livro Meios Sem Fim.

Razões eleitorais não são necessariamente razões políticas. Passado o pleito de retomada do direito constitucional extirpado, será hora de começar de novo, porém com demonstrações concretas de que houve aprendizado nesse episódio traumático. Se uma provável vitória da esquerda ofuscar a compreensão de que ela precisa se reinventar, teremos mais um desastre pela frente. Do contrário, e é o que se espera, o reparo aos danos democráticos será convertido em realinhamento ideológico e estratégico, para que o pensamento com sensibilidade ao bem-estar coletivo e à justiça social tenha peso decisório efetivo nos rumos do país.