Os rumos de uma sociedade são definidos pela lógica simbólica predominante nas pessoas que a integram. Nesse aspecto, o atual contexto brasileiro tem uma nova expressão pública, constituída pela conexão direta entre adeptos do neoliberalismo e dos segmentos pentecostais, dinamizada por recentes estímulos de ascensão social pelo consumismo. O imediatismo de quem é exorcizado dos interesses coletivos e parte para a busca individualista de vantagens a qualquer preço é um traço marcante dessa mercantilização existencial.

Pesquisa do Instituto Datafolha, feita em dezembro passado, revela que 31% da população do Brasil é evangélica. Há exatos cinco anos, quando a política brasileira passava por um doloroso desgaste nas suas reservas éticas, e segmentos evangélicos se afirmavam como força política, escrevi neste Vida & Arte o artigo “Da moral social à moral religiosa” (21/01/2015), perplexo com a perda de civilidade anunciada com a “formação progressiva de um Estado Evangélico”. O Censo do IBGE (2014) registrara que 25% da população do país fazia parte desse processo de evangelicalização.

No livro “Evangélicos, política e cultura” (Prisma, 2015), o sociólogo mineiro Elio Santiago atribui à “flexibilidade do protestantismo” um ponto de distinção dessa manifestação religiosa, diante “da diversidade e da pluralidade das sociedades modernas” (p.30). Enquanto as minorias sociais se politizaram por meio da segregação étnica, de gênero ou sexualidade, os evangélicos, mesmo com grande variedade de orientações, produziram catálise suficiente para terem um suporte numérico de afirmação atrelado ao que Santiago chama de “supremacia das escolhas individuais” (p.31).

Na luta contra a intolerância, o movimento LGBTQI+, por exemplo, conseguiu uma sigla de representação, mas não conseguiu liga interna. Ou seja, é visto e atacado pelos homofóbicos como uma unidade, mas tem a característica fragmentada dos ajuntamentos. Grupos integrantes dos movimentos negro e de gênero também podem ter êxitos questionados, considerando que o perfil evangélico brasileiro é feminino e negro. No protestantismo, as desavenças internas fizeram com que pastores saíssem criando as suas próprias igrejas, mas sem perder a assertiva identitária genérica.

Em que pese o engajamento vertical de especialistas nessas questões, Elio Santiago realça que o embate entre pentecostais e religiões afro-brasileiras é um conflito de classes populares, travado horizontalmente. “Não são os partidos, nem é a política; é a experiência religiosa que faz a revolução cultural, dando corpo a um mundo social-cultural tornado possível pela afirmação do capitalismo no Brasil” (p.51). O que há de comum nessas duas correntes ideológicas é que ambas têm influência direta da convicção estadunidense de igualdade com individualismo.

Os extremismos políticos atuais não deixam de ser reflexos da mentalidade do enfrentamento pela oposição na manifestação religiosa que deu o tom da protestantização brasileira. “Cabe lembrar que a entrada pentecostal no Brasil refletiu-se em uma negação da cultura tradicional. Ser pentecostal era não ser católico” (p. 36). O certo é que décadas atrás os evangélicos eram acanhados e apolíticos. Perderam a timidez, conquistaram reconhecimento e se lançaram em uma ofensiva que está virando a balança social e política brasileira.