No último ano aumentou o feminicídio no Brasil, segundo registros do Núcleo de Estudos da Violência da USP. Esse crescimento do número de mulheres assassinadas pelo fato de serem mulheres não condiz com as conquistas legais de preservação da condição feminina ante a violência física e simbólica dos assédios, estupros, intolerâncias domésticas e pornografia virtual de vingança. A tendência das análises sobre essa realidade abominável é que as políticas públicas para esse fim são pouco eficazes ou precisam ser mais e mais específicas. E isso não está incorreto, mas incompleto. Falta um tratamento mais apurado no âmbito da cultura, para que as leis não sejam somente letras jurídicas e os atos julgados possam ser vistos além de comportamentos inadequados a serem punidos.

O fato de a separação de casais aparecer como um dos principais motivos desse crime hediondo deve receber atenção redobrada da parte de todas as pessoas interessadas em dar um basta nesse novo exagero de um velho traço cultural. O feminicídio é um tema complexo porque envolve fragilidade moral, sentimento de perda de propriedade e libido reprimida. Sem um amplo debate estruturado a respeito da violência decorrente de rompantes de ciúmes, da conquista da igualdade de direitos e da liberdade de aceitação sexual, na nova realidade de interconexões, corremos o risco de, depois da desconstrução do patriarcado, cairmos nas armadilhas da vassalagem narcisista. A evolução nas relações humanas requer novos paradigmas epistemológicos que possam dar respostas à cultura em transformação.

Uma cultura em que os papeis desempenhados pelos sexos vão deixando de ser vistos como mera consequência de características biológicas para assumirem novas convenções sociais, independentemente de configurações étnicas, de pobreza e de riqueza. Na nova socialização e nas novas individualidades a representação social do feminino adquire conotação de estágio civilizacional relevante, o que não comporta mais espaço para condutas medievais, como o feminicídio, nem para eventuais aumentos de hábitos de zoofilia como reação à intolerância de gênero. Sabe-se que há coisas que precedem a consciência, mas a consciência das coisas pode muito bem ser aprimorada e disseminada, substituindo paulatinamente discursos repulsivos e odientos, até que esse tipo de assassinato de mulheres vire tabu.

Desde a antiguidade que esforços para reduzir a agressividade social pelo viés masculino vêm sendo testados sem muito êxito. A institucionalização do sexo pago, fosse em cabarés privados, com prostitutas autônomas, ou nos bordéis controlados pela realeza europeia, já era política pública visando o destensionamento social. O moralismo da modernidade levou os prostíbulos à ilegalidade, por serem considerados ameaças à família e à ordem pública. Meretrizes, depravadas e libertinas tinham a cabeça raspada e eram enviadas a hospitais, prisões e abrigos para regeneração. Não funcionou. A partir do século XVIII o problema deixa de ser tratado apenas no campo moral para adquirir características de saúde pública (continua na terça-feira, dia 19/3/2019).