A minha tia Stelita, que se assumiu apenas como Aurora quando descobriu que o nome da existência é claridade, chegou um dia para mim e falou que tinha conhecido um artista de Crateús que desenhava pensamentos e sonhos. Eles desenvolveram uma amizade linda e, nesse ambiente fraterno, acabei sendo convidado por ele a fazer a apresentação do catálogo da sua primeira exposição, “Sereias – Cio das Cores”, que ficou em mostra pública de 23 a 30 de outubro de 1990, na Assefaz Galeria de Arte, em Fortaleza.

Com o título “No quasar da imaginação” escrevi a síntese de uma longa conversa que tive com ele ao sabor do vento, das águas do mar e do horizonte que abre os braços a quem frequenta a Ponte Metálica da Praia de Iracema:

Era uma vez um sonho que costumava brincar de sereias, caramujos, conchas e mar. Brilhava ao ritmo de puras dançarinas que moravam dentro da mais cintilante das pedras preciosas. Uma crisálida transparente onde fugidios beija-flores traçavam hipérboles de prazer. Para esse sonho, que vivia no mundo da lua, a imaginação era um misto de posse, vaidade e utopia na busca do sentido da vida.

– A lua não é de São Jorge, tampouco dos astronautas, dos poetas ou dos namorados; ela é das sereias – assegurava.

Mas esse sonho, em suas explosões de luz, sentia também os presságios da solidão estampados na ausência de harmonia que, para ele, gerava a infelicidade. Foi então que resolveu procurar nas cores um despertar para a paz.

Logo descobriu que ela não estava no branco.

– Quando estava com raiva, falava roxo.

– A raiva é uma coisa sem luz – ficava a dizer.

Por isso partiu para pintar o universo de amarelo. Queria algo maior do que o infinito e acabou criando algumas dispersões estéticas. Contudo, tratava de não esquecer as referências do seu cotidiano.

– Se coloco uma casa sem portas nas minhas telas, na verdade quero pintar é a incompreensão – tentava esclarecer.

Constatou que em espaços não muito grandes conseguia maior definição, e acabou flagrando a morte do cisne no lago azul. Foi aí que o sonho virou inquietação e a inquietação assumiu que se chamava Francisco, Francisco de Almeida.

Esse regente pictórico das sereias tinge de acrílica e, menos intensamente de óleo, a fusão abstrata que faz entre a realidade e a fantasia. Desta forma, a posição curva em que trabalha a avó rendeira se confunde com silhuetas de flautistas e bailarinas do mar.

Todas são sereias porque todas cantam para o despertar autodidata de um artista que parece disposto a investir no aperfeiçoamento técnico da sua obra, para que alcance o brilho lançado espontaneamente pelo quasar da imaginação.

Anos depois, encontrei o Francisco de Almeida já reconhecido por sua arte de fractais, e ele estava contente porque as metáforas da nossa entrevista haviam se realizado. E a prova estava no êxito de suas exposições pelo Brasil, com destaque no Panorama da Arte Brasileira do MAM (São Paulo, 2005), na Bienal de Valência (Espanha, 2007) e na VII Bienal do Mercosul (Porto Alegre, 2009).

Francisco de Almeida foi homenageado no III Encontro Internacional de Imagem Contemporânea, realizado em Fortaleza entre os dias 28 de fevereiro a 01 de março de 2018. A identidade do evento foi toda desenvolvida a partir de sua obra. A programação foi aberta com uma exposição individual dele, na galeria Sem Título.

Observo a trajetória desse pintor de pensamentos e sonhos, como definiu a Aurora (que já retornou à sua origem estelar), como um triunfo da simplicidade e do querer verdadeiros, transformados em campo de sentido estético e existencial pelas mãos inquietas e hábeis de um artista que não para de nascer como expressão de força original.