A compreensão dos lugares, e do lugar desses lugares no mundo, torna-se cada vez mais fundamental para a sociedade. Laços ecológicos, vínculos culturais e compartilhamento de histórias em comum formam as plataformas essenciais para uma perspectiva socioambiental participativa a ser desenhada no horizonte civilizacional de um planeta que chegou ao esgotamento dos seus recursos naturais renováveis e a um progressivo estado de colapso climático e ambiental.

Tomei essas formas relacionais como referência para a fala que fiz no encerramento do Projeto Monitoria do IFCE Crateús, tendo como mediadores a professora Flávia Ingrid, do curso de Geografia, e o concludente Jair Martins, detentor, multiplicador e guardião de um especial conhecimento vivenciado decorrente do seu trabalho como guia, no âmbito da Serra das Almas e do Cânion do rio Poti, na divisa que une territórios cearenses e piauienses.

Na transmissão ao vivo pelo YouTube, ocorrida no dia 29/04, tratei das impressões, leituras, afetos e pontos de vista que chamam a minha atenção quando o tema abrange peculiaridades, insuficiências e potências do altiplano dos Inhamuns e de todo o sistema socioespacial e hidrográfico que se estende pelo Vale do Poti e atravessa a fenda geológica da Serra Grande (Ibiapaba) para seguir com o rio Parnaíba até o mar.

Com foco na reconceituação da experiência social e no sentido de destino, procurei provocar educadores e estudantes a fortalecerem o debate sobre novas formas de sentir e pensar o lugar, seus agrupamentos humanos, sua representação física, o relevo, a cobertura vegetal e a educação estética em uma paisagem com tanta plasticidade e traduções de belezas originais.

Essa cartografia mental pode ter sua evolução interpretativa desenhada a partir de três conceitos essenciais que se entrelaçam em nodos e nexos orientadores da formação de territórios nordestinos descolados do litoral: a expressão política SERTÃO (Brasil de dentro), o termo técnico SEMIÁRIDO (condições climáticas) e a designação do bioma CAATINGA (campo ecológico).

O convite que recebi do IFCE Crateús para esse bate-papo sobre Lugares e Histórias teve como vórtice o “Toque de Avançar. Destino: Independência” (Armazém da Cultura), livro para o qual contei com as parcerias de Valber Benevides (ilustrações) e Edvaldo Santana (trilha musical), e no qual desenvolvo uma espacialização de narrativa histórica que parte dos Inhamuns, cruza o Boqueirão do Poti, ganha intensidade no Meio Norte, vai até a Mata dos Cocais e volta para o ‘sertão alto’ tendo na liberdade o seu ideal emancipatório.

Toque de Avançar, a música:

Nesse mesmo turbilhão de buscas por novas maneiras de perceber a ampla alma nordestina, procurei refletir ainda sobre o feminino na dialética da sensibilidade presente no fruto do pereiro, o ‘capotinho’ das nossas brincadeiras de infância. Essa simbologia move o recente vídeo e audiolivro “Sertania – ressignificação poética, musical e visual da Missa Sanfonada” (2004), de minha autoria, com letras recitadas por Efigênia Alves, releitura musical de Samuel Furtado e imagens de Marcos Vieira, produzidos pelo Núcleo Audiovisual Jaguaribe (Naja/IFCE).

Sertania, o vídeo:

Estamos presos a paradigmas seculares que insistem em criar falsas comunidades de interesses e precisamos da força revolvedora dos saberes e conhecimentos da Geografia crítica, que, como ciência do lugar, atua diretamente na relação natureza e cultura. Afinal, ler um espaço passa pelo que está ao lado de cada pessoa interessada em respeitar o próximo, humano ou não humano, em construir vizinhanças saudáveis, inventar alternativas sistêmicas e acreditar na potência dos sentimentos de apropriação do lugar como forma de autocompreensão e de organização do viver.

Fonte: RiVista do Mino