A onça estava tocando o terror na floresta. Tinha aumentado sua corja de forma tão significativa que já se achava dona do pedaço. Definia onde cada bicho deveria morar, quais os caminhos a serem percorridos por quem entrasse na mata, e até afastou os humanos armados do seu território. Ninguém sabia mais o que fazer. Estava tudo dominado, inclusive porque seus comparsas, que haviam sido capturados, continuavam, de dentro das jaulas, dando ordens aos que permaneciam soltos.

Todos sabiam que ela tinha um momento de vulnerabilidade, que era a hora de beber água no riacho. Ali, de cabeça baixa, com o focinho dentro d’água, de costa para a mata e, mesmo sabendo nadar, limitada pela correnteza, seria a ocasião propícia para um encurralamento. Entretanto, sua simbologia de predadora do topo da cadeia alimentar era tão forte que os outros bichos temiam aproximar-se dela, que toda noite bebia sua água tranquilamente, antes de sair para praticar seus crimes, sem medo de punição.

Até que um dia a autoridade maior dos domadores resolveu dizer à onça que ela precisava ir beber em outro lugar, parando de apavorar os habitantes da floresta. Para demonstrar que estava falando sério, criou uma instância administrativa voltada especialmente para tratar da bagunça que vinha acontecendo nas jaulas. Convidou um domador experiente no assunto e ele começou mandando recolher celulares, armas e drogas das jaulas. E acabou com a falsa regra de que os criminosos ligados às mesmas facções tinham que ficar juntos, para o bem da trama do crime.

Qual quê, a onça sentiu-se desrespeitada em sua soberania e determinou que seus comandados saíssem tocando fogo na floresta até que os bichos se apavorassem e forçassem os domadores a recuar. A tática não funcionou, pois o domador-mor, chamando para si a responsabilidade da sua posição, pediu reforço a domadores de outros lugares, estabelecendo-se o confronto. E quando todos os bichos deveriam estar juntos no combate à onça e seus aliados, as antas extremistas começaram a dizer que não acreditavam na ação integrada dos domadores locais com os nacionais por questões ideológicas.

As capivaras, como bons roedores, aproveitaram a confusão para traçar os matinhos da beira d’água, e para rolar na lama, enquanto a mata era incendiada. O bicho-preguiça parou para criticar o nome da operação Hora da Onça Beber Água. Com razão gramatical, mas com equívoco prático e nenhum senso de engajamento, ficavam horas e horas explicando que tem uma fusão forçada de preposição com o sujeito do infinitivo nessa expressão, e que o correto seria Hora de a Onça Beber Água.

A situação estava difícil, o clima tenso. O perigo tinha chegado às vias de fato e o líder dos domadores de onça desafiou os répteis a aprovarem um pacote de medidas para conter a onda de violência. Mesmo aqueles camaleões, acostumados a mudar de cor conforme o ambiente, foram favoráveis. A floresta agora passará a ter restrições de circulação de viventes no entorno das jaulas e, dentre outras providências, contará com um fundo para a prevenção de crimes.

MORAL DA HISTÓRIA: o momento é crítico, decisivo, e toda a fauna que realmente deseja dar um basta no domínio da onça precisa deixar as picuinhas políticas de lado e contribuir do jeito que puder com a operação Hora da Onça Beber Água. Não há o que deixar para depois.