Os versos da música “O Pato”, do poeta carioca Vinícius de Moraes (1913 – 1980), em parceria com o compositor paranaense Paulo Soledade (1919 – 1999), falam de um bicho atrapalhado que, de tanto aprontar, cai no poço e acaba na panela. Lembrei-me dessa fábula musical por conta da derrota de Donald Trump, que aqui passarei a chamar de pato T, na recente rejeição de recondução presidencial estadunidense.

A canção infantil diz que “O Pato pateta / Pintou o caneco / Surrou a galinha / Bateu no marreco…”; quanta metáfora para alguém que ridicularizou o cargo que exerce, negligenciou a pandemia da Covid-19, exaltou o racismo, desdenhou das questões ambientais e cai espalhando para o mundo todo que o sistema eleitoral do seu país é fraudulento. “Pulou do poleiro / No pé do cavalo”, e levou um coice das urnas.

A queda do pato T deixou o presidente brasileiro, aqui nominado como pato B, inconformado com o que, segundo ele, só pode ter sido uma conspiração externa do tipo que o país do pato T costuma fazer mundo afora. O pato B tem um deslumbre pelo autoritarismo e pela insensatez do pato T; tanto que o trata como ídolo e senhor. Ambos vêm dado grandes contribuições para deixar o planeta mais imundo, malcheiroso, escorregadio e rasteiro como são os poleiros dos patos.

Duck poo (Cocô de pato). Autor/a não identificado/a. Colhida na internet para ilustrar a analogia das sujeiras causadas pelo pato T e pelo pato B na antifábula do tempos atuais.

É chato envolver inocentes patos nessa analogia de maldades, mas quando se trata da sujeira defecada por esses dois indivíduos determinados a destruir as instituições e a turvar qualquer sentido de civilização, a melhor comparação é mesmo o xiringado comprido, mole, fedido e difícil de limpar dessas aves desajeitadas. A diferença da fábula dos patos T e B para um conto tradicional é que os fatos inacreditáveis protagonizados por eles estão acontecendo agora, e não em reinos ou tempos tão, tão distantes.

As cloacas dos patos T e B, enquanto cavidades de despejo de mentiras e agressividades em jatos simultâneos das fezes e urina da instabilidade sobre a cultura e a cidadania, tornaram-se método de condução do poder sob o estúpido domínio de bandas extremistas. Acontece que o pato B, em sua incontrolável vontade de agradar ao pato T, tenta se antecipar a tudo o que seu fetiche falastrão pode gostar. E nessa ânsia de “se for espirrar, saúde”, o pato B já submeteu o quintal que deveria governar a vexatórios processos de incertezas e fragilidades.

Houve um tempo em que o ser humano acreditava que os trovões e os relâmpagos eram disparos das armas dos deuses. O pato B ainda pensa assim e quer um povo com essa compreensão de mundo para que, quando ele disser que pretende acabar com as urnas eletrônicas e adotar o sistema eleitoral da terra do pato T, a população acate a sua vontade. No quesito de transtorno de personalismo situacional delirante ele consegue superar o pato T, ao denunciar a própria eleição como fraudulenta.

Um e outro detestam democracia. Vivem a fantasia da cloaca atiradora, sempre melando tudo. Se o pato T bate na China, o pato B também bate; se o gigante pato T defende a indústria da guerra, o famigerado pato B, com o arroubo de sua racionalidade desinformada, avança no armamento da população. Ao mesmo tempo que o pato T expele protecionismo, o pato B solta entreguismo, esperando uma atenção que não teve e que agora não terá mais. O pato B é a mais fiel representação do colonizado renitente, aquele indivíduo que tem orgulho de ser capacho; pata aqui, pata acolá.