Diante de mim estava a oportunidade de indicar três intérpretes para o programa Palco Aberto, da Casa de Vovó Dedé, entidade que desenvolve trabalho educativo por meio da música, com a juventude na Barra do Ceará. Pensei logo em artistas independentes que pudessem repaginar o meu repertório autoral infantil, juvenil e adulto.

Queria vozes cientes do que está se passando no seu entorno e no mundo, mas que, a despeito da braba crise de significados que atravessamos, insistem em fazer soar o que gostam e acreditam. Precisava escolher os nomes certos para esse exercício de música livre, e não tive dúvidas: convidei a Mallu Viturino, a Clapt Bloom e o Enzo Camurça.

Mallu Viturino é uma compositora e cantora da comunidade de Caraúbas (Pecém), na Região Metropolitana de Fortaleza. Seus trabalhos autorais vinculam diferentes preferências musicais, e ela tem uma acentuada propriedade melódica, unindo talento, carisma e consciência de si, da sua negritude (“Preta, minha pele é preta”) e das disparidades sociais (“Naquela rua que sempre alaga / Eu conheço uma história que ninguém contou”).

Mallu mergulhou com leveza e carinho nos temas das minhas composições infantis, que nascem nas brincadeiras de bacuraus e sacis, passam pela oralidade dos contos de fada, pelos ancestrais costumes de negros e índios de trocar carícias com os dedos nas cabeças uns dos outros e que dançam na areia da praia em genuínos requebrados de coco de roda.

Clapt Bloom compõe e canta com o coração de uma fera na rua. Começou agitando as periferias da cidade com rock alternativo, criou o selo Berlim Tropical e um coletivo de música eletrônica e, mais recentemente, vem fazendo gravações audiovisuais de electro rock, nu house e low pop, com episódios sequenciais em que extravasa o quanto é árduo sair do modo sobrevivência para fazer música de auto expressão, fora do enquadramento nas categorias de produto de consumo.

Mallu Viturino, Flávio Paiva, Enzo Camurça e Clapt Bloom na Casa de Vovó Dedé (Foto: Marcos Vieira)

Para a interpretação da Clapt selecionei músicas com conotações juvenis que se referem à falta de perspectiva da juventude nesses tempos de imediatismos, ao isolamento social do desejo provocado pela insegurança nos espaços públicos, ao dilema entre o medo de amar e o chamado da poesia, ao encontro da diversidade em uma rave ecossocial e aos avanços das conquistas femininas em uma sociedade predominantemente machista.

Enzo Camurça transita por um pop-rock de intensa urbanidade. Compõe e canta com refinamento técnico e artístico, em uma entrega de corpo e alma. Com densidade, poesia e trampos de relações interpessoais, ele alardeia: “Pode ser que assim possamos aceitar / que lágrimas na terra / um dia vão chegar ao mar”. Inquieto, tem um pé em Fortaleza e outro em São Paulo, onde criou a banda Camurça e a gravadora Rise Media.

Ao Enzo confiei composições que tratam do choque da expectativa amorosa de quem chega à vida adulta, da amizade como uma expressão máxima da boa fortuna, do exercício do diálogo interno pela contemplação do belo na natureza, do amor autônomo em seu tempo de amadurecimento, e dos corações que insistem em bater para o outro se encontrar.

A liga para esses conectivos cruzados foi assegurada pela produção musical do Gustavo Portela, que montou uma super banda formada por ele, Gegê Teófilo, Rami Freitas, Pepeu JC, Pantico Rocha e Kerensky Barata. E os três EPs já estão nas plataformas digitais, ao sabor da tríplice sonoridade de Mallu, Clapt e Enzo.