A relevância da água para a vida é indiscutível. Ela compõe a maior parte do corpo da Terra, e no corpo humano não é diferente. Cientes do seu significado vital para todos os seres vivos, estudamos sobre a água, discutimos os riscos da sua contaminação e tememos pela escassez de água doce. No entanto, pouco paramos para ouvir a água, seu canto, o que ela tem a nos dizer. Essa é a oportunidade que nos dá o espetáculo “d’Água” do Coral da UFC e Orquestra Sonial, em temporada no Teatro Dragão do Mar.

A voz da água está presente no coro, na percussão e em toda a corrente de gestos e cantos que conduz o espetáculo em sua travessia e travessuras, como experiência de vínculos com a voz humana. É a arte falando o idioma da água e nos convidando a entender suas mensagens de chamego e aconchego, harmonia e alegria, tranquilidade e paz. O sagrado, presente no contato entre a consciência da água e a consciência humana, natureza e cultura em amorosa transpiração.

Ao tempo em que os arranjos vocais e a orquestração produzem efeitos relaxantes, as melodias e letras energizam a manifestação dos sons, das palavras e do corpo. Obra cênica e musical, “d’Água” nos leva a sentir interiormente a potência líquida que umedece e regula a temperatura da realidade objetiva e do plano sutil, por meio de passagens sincronizadas na conversa de timbres de um mundo natural banhado de vida.

Para a dureza dos tempos, eles cantam: “Lá na pedreira / Rola da cachoeira / Uma água forte / Pra me banhar // Ela me enche de fé” (Jovelina Pérola Negra / Labre / Carlito Cavalcanti); se o embalo é de prazer, entoam: “E a fonte a cantar / Chuá, chuá / E as águas a correr / Chuê, chuê” (Pedro de Sá Pereira); quando aperta o desejo, fazem soar: “Traga-me um copo d’água, / tenho sede / E essa sede pode me matar” (Dominguinhos / Anastácia); diante dos conflitos existenciais, reverberam: “Debaixo d’água tudo era mais bonito / Mais azul, mais colorido / Só faltava respirar” (Arnaldo Antunes); e para reforço de cumplicidade, revelam: “A água me contou muitos segredos / Guardou os meus segredos” (Caetano Veloso).

A atmosfera sensível dessa peça regida por Erwin Schrader, Jáderson Teixeira e Gerardo Viana foi criada “pra afogar tudo o que é deserto em nós” (Caio Castelo). Ademais, fiquei especialmente tocado com a forma poética com que a personagem menina (Eloá Moura) coloca o barquinho de papel na água, numa alusão plástica à canção Festa em Independência, parceria minha com o Tarcísio Sardinha. O brinquedo singra o espelho da água agitada pelos seus usos e cursos, em uma cena de conjunção lúdica na qual não se sabe ao certo se eles estão saltando dentro d’água e cantando ou se estão cantando e saltando dentro d’água.

Fonte de inovação artística, de arrojo e de criação de experiências, ora em trabalhos solitários, ora em mutirões de autodescobertas, o Coral da UFC tem produzido espetáculos aclamados no Brasil e no Exterior por suas performances vocais e corporais. Nessa “aquática jornada”, como define o professor Élvis Matos na apresentação do catálogo, a companhia segue avançando no padrão de qualidade e de renovação que caracteriza a sua mescla de técnica com intuição, visão panorâmica com atenção aos detalhes, disciplina e espontaneidade; desta vez revelando mensagens da água por reinos diversos e divinos.