Na vida cotidiana e no mundo artístico, o nome de chamar nem sempre combina com o que foi registrado em cartório. Um indivíduo de nome Agenor deixou esse dilema bem claro ao escrever e cantar que “nossos destinos foram traçados na maternidade” (Exagerado) e assinar a sua criação musical simplesmente como Cazuza.

É assim, umas pessoas partem para nomes artísticos totalmente diferentes dos seus nomes de nascimento: Arlette é a palavra escrita no registro da atriz Fernanda Montenegro. Outras aproveitam o que dá para salvar na grafia civil e criam uma identidade artística, como fez Ecleidira, que passou a ser conhecida como a atriz Dira Paes.

Há também quem já receba de cara um nome que dá para as duas coisas: Falcão é como está escrito nos livros do cartório de Pereiro, mas também nas páginas da música de escracho brasileira. Tem de tudo nessa vida. Alguns, inclusive, “predestinados”, como o jornalista José Simão classifica espirituosamente quem de alguma maneira já nasce com o nome que remete ao que vai ser na vida: o nome do meu urologista é Dr. Sálvio Pinto.

Mas quando nada disso acontece e o nome artístico acaba sendo o mesmo de batismo, embora pareça excêntrico para uso em ambos os casos, só resta ao próprio dono do trançado de letras recebidas em sua estreia no mundo levar em conta esse acontecimento gerador do si e lutar na dança da palavra para que esta não escorregue nas impressões de inexistência.

Foi o que fez o compositor e cantor Orlângelo Leal ao compor uma música e preparar o show “Valise – a estória do meu nome” inspirados na palavra que o individualiza, modelada com partes dos nomes do pai e da mãe do artista: Orlando e Angelita. A expectativa do casal era de trazer ao mundo a menina Orlângela, mas como quem chegou foi um menino, não custou nada fazer uma pequena adaptação. E Orlângelo usa essa estranheza como ponto de partida de um espetáculo tragicômico em que se vale do próprio ortônimo como nome público para dizer “sou eu mesmo”.

Ao partir para o palco evocando situações que orbitam em torno dos seus sentimentos e percepções do mundo, Orlângelo procura lidar esteticamente com essa situação combinando um repertório de muitos ritmos e sonoridades locais e transfronteiriças. Nessa valise ele carrega chamegos criativos que pulsam por Gustavo Portela, Caio Castelo, Yago Fernando, Zéis, Joel Rocha, Erivan Produtos do Morro, Marcos Vieira, Pedro Keiner, Ariadna Sampaio, Balaiêro, Gerson Moreno, Banda Desabrigados e, claro, Dona Zefinha.

Entre os pertences desse show de Orlângelo está também a música “Forró do Fico”, nossa parceria que dá título a um dos capítulos do meu livro “Bulbrax – sociomorfologia cultural de Fortaleza” (Armazém da Cultura), gravada originalmente pela cantora ILYA e pelo compositor e cantor paraibano Chico César. A valise de Orlângelo é uma espécie de “Pau-de-Arara” (Luiz Gonzaga / Guio de Morais) que, com a coragem e a cara, leva xote, maracatu e baião em seu matulão.

A montagem desse espetáculo, ainda inédito, tem também um quê de escuta de si na música do nome, não no sentido melódico e prosódico, mas no que diz respeito à identificação orlangeliana como uma derivação de pensamentos afetuosos e seus sentidos circundantes. Trata-se, portanto, de uma mistura sociolinguística com traços etnológicos que chega ao motivo raiz do nome do artista e ganha o mundo pelas antenas da arte.

Veja o vídeo da música “Forró do Fico” (Orlângelo Leal / Flávio Paiva) gravado no estúdio Varanda Criativa, em Fortaleza, por Orlângelo Leal, Gustavo Portela e Taylor Santos.

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Fonte: Rivista do Mino