A história da Independência do Brasil ainda segue predominantemente contada do ponto de vista sudestino, salvo aspectos específicos do federalismo defendido pelo entreposto colonial recifense. Em 2022, esse marco de emancipação chega a dois séculos sem, no entanto, a emancipação de fato ter ocorrido.

O Brasil atravessa tempos de degradante instabilidade política e econômica, e dificilmente haverá condições ideais para um debate amplo, profundo e consistente a respeito desse tema. Apesar disso, é possível aproveitar a data do bicentenário para lançar olhares regionais que possam contribuir para aproximar essa história de si mesma.

O que, por exemplo, existe escrito sobre a atuação cearense durante esse período é muito rarefeito. Desmembrado da Capitania de Pernambuco em 1799, o Ceará migrante do couro para o algodão ganhou o direito de comercializar diretamente com o Velho Mundo, depois de séculos de dominação da economia canavieira no Nordeste.

Com relação à Independência do Brasil, há dois movimentos emblemáticos das movimentações cearenses: um, para o leste, associado às tentativas de construção de um Estado de princípios republicanos, formado pelos territórios de presença holandesa no tempo do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (1815 a 1821); e outro, para o oeste, que foi a contribuição cearense, junto a piauienses e maranhenses, no enfrentamento do exército português (1823), evitando que o Brasil perdesse a Amazônia para Portugal.

Sobre a história do sentido leste, o livro “A outra Independência – o federalismo pernambucano de 1817 a 1824” (Editora 34), do historiador recifense Evaldo Cabral de Mello, expõe com muita propriedade o contexto do enfrentamento nordestino à política imperial que se instalaria no Brasil depois que os portugueses devolveram o país à condição de colônia com a Revolução do Porto (1820).

Sobre a história do sentido oeste, a bibliografia é muito fragmentada e requer um esforço extra para ser costurada. Na busca de propor uma interpretação desses feitos escrevi o livro “Toque de Avançar. Destino: Independência” (Armazém da Cultura). Senti-me impulsionado a fazer isso por ter nascido em Independência, o único município brasileiro que tem o nome da própria conquista, localizado na parte da região cearense dos Inhamuns, que até 1880 pertencia ao Piauí.

Cerco a Caxias (Cachias das Aldeias Altas). Ilustração em acrílica aquarelada e nanquim sobre tela, de Valber Benevides, parte do livro “Toque de Avançar. Destino: Independência” (Armazém da Cultura), de Flávio Paiva.

Existe uma razoável bibliografia que trata das ações de cearenses vinculadas aos assuntos da Independência, embora não pareça haver livros abordando essas participações de forma integral e contemplando as efetivas contribuições populares que, mesmo em condições precárias, partiram para o enfrentamento armado por verem na proclamação da Independência um caminho para a liberdade.

A tendência da historiografia tradicional é dar destaque vertical a figuras que representam comportamentos centralizadores de um sistema baseado no modelo mental de colonizado, na economia escravocrata e na exploração social de pobres-livres. Por isso, a data redonda de 200 anos é uma boa oportunidade para o exercício de uma história mais horizontal.

A Universidade Federal do Ceará (UFC) está com um concurso de monografias aberto até o final deste mês (31/01), com o sugestivo tema “Participação do Ceará nos movimentos e lutas pela Independência do Brasil”. Que saia daí, por meio da Coleção Alagadiço Novo, da Imprensa Universitária, luzes de um Ceará voltado para si, mas orientado para um projeto de país que, a sério, possa ser independente.