Por muitas vezes me movimentei para estar perto do escritor Lauro Ruiz de Andrade, indo, inclusive, à sua casa no bairro Ellery, zona oeste de Fortaleza. Achava curiosa a sua versão positivista do mundo e me deleitava com o alvoroço dos seus escritos. Da maneira que fosse, era sempre uma conversa cheia de sabedoria, simplicidade e fé na humanidade.

Com seu filtro auguste-comteano, ele demonstrava muito interesse sobre as causas da loucura, sobretudo no que as perturbações mentais podem ser relacionadas com dogmas religiosos, estresse laboral, abuso de entorpecentes, fome e sexo. Lauro Ruiz costumava falar com entusiasmo de uma peça de teatro encenada por pessoas internadas em hospício.

Um dia ganhei dele o livro Contos Chineses (Ed. Henriqueta Galeno, 1982). No oferecimento: “Com o abraço espiritual do velho escriba”. E, ao entregar, a recomendação: “Não deixe de ler a parte dos Quatro Profetas no Manicômio. É aquela história da sessão de laborterapia que assisti no Instituto de Psiquiatria, a convite do neurologista Jarbas Pellegrino”.

O espetáculo presenciado pelo escritor tinha no palco a personificação de Buda, Cristo, Maomé e Gandhi. Os próprios artistas-pacientes teriam escolhido essas figuras emblemáticas para representar, com base em obras da biblioteca do hospício. A peça, com figurino sugestivo e cenário colorido, era, segundo Lauro Ruiz, uma mistura de dança e retórica.

A máquina de datilografia foi testemunha do escritor no seu entendimento daquela prática como momento de canalização do excesso de energia que congestiona a mente e de reativação da convicção de valor pessoal, bem como da sua crença de que o êxito do evento se deveu em muito ao comportamento da plateia convidada, que aplaudiu sem censura os gestos e falas apresentados.

Foram desabafos e aplausos universais: “O desejo de eliminar as peias da servidão. O louco sempre foi um rebelado. A loucura está aliada à tragédia dos mártires, dos santos e dos poetas”. Dos diálogos apreendidos e concatenados por Lauro Ruiz, com seus olhos e ouvidos de cronista, novelista e apologista, algumas expressões merecem eco nos tempos atuais.

É difícil saber quem está com a mente mais perturbada, se muitos de nós que insistimos no egoísmo social e no consumismo, ou o ator-louco que incorporando Buda diz que “se o homem devora o seu semelhante é indigno de subir a escada do aperfeiçoamento”, e que “a ambição de possuir coisas inúteis gera a sede insaciável”.

O paciente que protagoniza Maomé reivindica que “o diálogo deve ser restrito aos dois profetas da fé monoteica, rivais na guerra e na paz”, enquanto o que representa Cristo reconhece que “o choque de nossas religiões continua a ensanguentar o mundo”. E a boca do intérprete de Gandhi pronuncia: “Os celeiros dos países fracos são transferidos para os depósitos dos países fortes. Na verdade, somos quatro profetas fracassados”.

O relato de Lauro Ruiz de Andrade para essa dramaturgia de pessoas internadas como loucas mostra um inusitado descontentamento de grandes personagens com os rumos desastrosos tomados pelos que se dizem inspirados por eles. Em que pese a descrença do ‘velho escriba’ no que não pode ser provado pelo conhecimento científico, sua provocação é a de que resta aos que se consideram normais experimentar também o método teatral do manicômio.