O desafio posto para a esquerda brasileira na eleição presidencial de 2018 talvez seja maior do que aquele enfrentado no início da redemocratização do processo político em 1985. Naquela época havia o entusiasmo da conquista das Diretas-Já, enquanto hoje o sentimento dominante é o incômodo do fracasso.

É preciso um tempo considerável para que haja o restabelecimento dos ideais voltados ao bem-estar coletivo e à justiça social. Tendo em conta a eleição do próximo presidente da República, esse tempo não existe. E a sociedade está essencialmente envolta por incertezas na tarefa de escolher quem poderá conduzir a regeneração da terra devastada no cenário político.

É duro aceitar que décadas de conquistas democráticas e sociais foram desperdiçadas, que a dramaturgia da galinha disfarçada de raposa e da raposa disfarçada de galinha não teve final feliz. E não há como dar o próximo passo sem abandonar de vez expectativas perdidas. Ir adiante exige que não se fique culpando os outros em lamentações que não dão para consolar.

O inevitável, quando negado pela ilusão do impraticável, compromete e desvia o curso de possíveis retomadas. Por isso a necessidade de deixar de falar do que teria ou poderia ter sido. A conjuntura pede o encerramento do 1968 que não deu certo, para que se comece outra coisa, revendo o futuro e não o passado. São as imposições do tempo.

É doloroso assumir a desgraça como destino de tanto esforço, principalmente porque isso remete à desesperança. Entretanto, em muitas circunstâncias da vida política, o mais razoável é preservar as condições de realização do propósito, nem que, para isso, seja necessário elastecer o horizonte de realização plena.

No caso atual do Brasil, com a democracia vilipendiada, uma esquerda entre o desespero e a depressão e uma fúria conservadora em marcha, o aperfeiçoamento dos sonhos e a construção de novas utopias passa pela eleição de um candidato de centro-esquerda, a exemplo da alternativa Ciro Gomes, com experiência e pulso firme suficientes para reencetar a importância do Brasil para os brasileiros e o papel do país no mundo.

A situação brasileira é muito grave. Hesitar só serve para aumentar mais ainda a asfixia dos menos favorecidos, numa luta desigual e sanguinária. O que pode parecer desistência transforma-se em afirmação de crença na evolução da ordem democrática, suas contradições e acertos. Quanto mais demorarmos a retomar a consolidação democrática, mais aprofundaremos as feridas da cidadania.

O momento é espantoso. As 35 siglas partidárias não têm, salvo uma ou outra exceção, candidatos confiáveis nem para si mesmas. Resta ao eleitor ter ou não vontade de recuperar o percurso democrático interrompido pela manobra ardilosa de Michel Temer (MDB & CIA) e ameaçado por um candidato que deprecia o valor da própria democracia.

É natural, legítimo e saudável que, como em toda eleição, alguns grupos específicos tenham seus próprios candidatos e outros se unam em torno de candidaturas mais encorpadas. Na situação em que se encontra, a esquerda brasileira dificilmente repetirá seu êxito eleitoral dos quatro últimos pleitos para o Executivo Federal. Além do reconhecimento dos erros cometidos, a hora é de optar pelo aprendizado do que foi positivo na experiência das últimas três décadas, e começar de novo.