Odimar Coutinho era um dos mais queridos amigos do meu pai, Toinzinho (1921 – 2015). Amigo mesmo, capaz de fazer o que fez na história que vou contar. Antes, porém, é preciso dizer que o meu pai era tão apaixonado pelos bichos que criava que tinha dificuldade de vendê-los. Ficava negociando e negociando até inviabilizar a venda e soltar a criação novamente para o pasto.

Certa vez, o Odimar chegou para visitá-lo, e ele estava em plena negociação com um comprador de bode. O homem tinha escolhido um animal que não era dos melhores do rebanho. Mesmo assim, meu pai insistia em cobrar um valor semelhante ao que pedia por um pai-de-chiqueiro de raça. A conversa ia e voltava, e nada de os dois chegarem a um entendimento.

Em valores comparativos, era como se o bode valesse algo em torno de R$ 200,00, meu pai estivesse pedindo R$ 1.500,00 e o comprador fazendo uma oferta de R$ 600,00. Quer dizer, um consenso quase impossível. Um falava das qualidades do animal como reprodutor apropriado para levantar o porte de qualquer criação, e o outro reconhecia que isso lá era verdade, mas que o bicho não apresentava características zootécnicas que justificassem um preço tão elevado.

O acordo estava difícil de ser realizado. Embora o comprador estivesse claramente interessado no reprodutor, ele não podia ir além do que considerava razoável. Meu pai, que era um criador conhecido pelos plantéis qualificados de ovinos e caprinos que criava, e que melhorava com cruzamentos e manejos cheios de “ciência”, como ele gostava de dizer, sabia que aquele bode não valia a cifra que ele estava pedindo.

O Odimar, que a tudo assistia, percebendo que a resistência do meu pai não dizia respeito ao negócio em si, mas à sua dificuldade de desapego, entrou na conversa e perguntou quanto era mesmo que o comprador estava oferecendo. O homem reafirmou a disposição de pagar os R$ 600,00, argumentando que aquela quantia já estava de bom tamanho. Meu pai não quis mais nem ouvir a proposta.

O comprador, notando o desinteresse do meu pai, meteu a mão no bolso e tirou R$ 700,00. Contou as cédulas para que todos vissem e fez uma última oferta. Meu pai balançou a cabeça negativamente. Estava aparentemente encerrada a negociação. Contudo, ao aproximar a mão do bolso para guardar o dinheiro, o comprador teve seu braço interceptado pelo Odimar, que tomou os R$ 700,00 e disse que ele podia passar o cabresto no bode e levar, que o animal era dele.

O homem afastou-se puxando o bode e o Odimar colocou o dinheiro na mão do meu pai dizendo: “Toinzinho, deixa de ser besta, o animal está muito bem vendido por esse preço”. E os dois começaram a rir. Estava feito. No sertão, a decisão que um bom amigo toma por outro é considerada em seu limite. Trata-se do respeito à capacidade do amigo de entender os meandros de determinadas situações, quando, por motivos nem sempre percebidos, alguém pode estar tomando uma decisão equivocada.

Tempos depois o Odimar me contou que fez aquilo porque tinha confiança na amizade do meu pai. Sabia que o Toinzinho gostava de criar, mas não gostava de vender. Por isso só vendia caro. Era como alguns pintores apaixonados que, ao concluírem suas telas, ficam sem querer se desfazer da beleza produzida. Meu pai via a criação com beleza. Os bichos criados por ele eram bem cuidados. Não sei se é possível falar de felicidade na vida dos animais, mas arrisco dizer que os caprinos e ovinos nascidos e crescidos lá em casa eram felizes. Bééééé!!!