Deparei com uma entrevista de Carlos Zéfiro em página amarelada do Caderno B do Jornal do Brasil (15/11/1991), guardada na estante do escritório. Naquele momento, a imprensa revelava que Alcides Caminha (1921 – 1992) era o nome de batismo do misterioso desenhista das famosas HQs eróticas que um dia haviam circulado clandestinamente pelas bancas de jornais de todo o País.

É provável que, ao guardar aquele recorte de jornal, a minha intenção fosse fazer um artigo sobre o tema, pois sempre me chamou a atenção o fato de esse autor ter conseguido se manter no anonimato por tantas décadas, começando sua produção em 1948 e indo até meados da década de 1970, com tiragens de milhares de exemplares, sem contar com as incontáveis reproduções pirateadas.

As revistinhas tinham formato que se assemelhavam a romances de cordel, com desenhos preto e branco em bico de pena. Na entrevista ao JB ele conta que desenhava à noite e que em casa apenas a mulher dele sabia desse trabalho marginal, sobre o qual ela não comentava nada. Conta também que foi com o dinheiro que recebeu pelas mais de 800 histórias publicadas que construiu sua casa própria e criou os cinco filhos.

As revistinhas de Carlos Zéfiro mostravam os detalhes dos pecados, colocavam frente a frente o desejo e o objeto do desejo

Carlos Zéfiro espalhava o que Alcides Caminha ouvia e fazia no cotidiano da vida boêmia carioca. Como frequentador das serestas da Praça Tiradentes, chegou a assinar parcerias em sambas de Nelson Cavaquinho (1910 – 1986), incluindo o clássico A flor e o espinho (“Tire o seu sorriso do caminho/ que eu quero passar com a minha dor”), esta também de autoria de Guilherme de Brito (1922 – 2006).

Alcides era funcionário público e tinha muito medo de perder o emprego, caso sua atividade de quadrinista pornô fosse descoberta. Além disso, as histórias que criava e desenhava eram alvo de perseguição, tendo o seu distribuidor sido preso. Os jornaleiros tinham a revista para vender, mas ela não ficava exposta. As pessoas procuravam meio envergonhadas e recebiam discretamente as doses de sacanagem que seus desejos reprimidos buscavam.

A proibição de produtos editoriais eróticos ou pornôs no Brasil da primeira metade do século passado estimulava a procura por algo que soltasse pulsões que zanzavam pelo imaginário do corpo. As revistinhas de Carlos Zéfiro mostravam os detalhes dos pecados, colocavam frente a frente o desejo e o objeto do desejo, e convidava o leitor a deixar acontecer as vontades do seu instinto, do amor solitário ao sexo explícito.

Muitos jovens se iniciavam com as revelações “imorais” de Zéfiro. Havia um voyeurismo em sua forma de contar, um buraco de fechadura por onde passavam as mesmas obscenidades das peças do escritor pernambucano Nelson Rodrigues (1912 – 1980). Os personagens compartilhados pelos olhos nus de Alcides Caminha, sob o pseudônimo de Carlos Zéfiro, não apresentavam clivagens conceituais, eram livres em suas alucinações.