A Coreia do Sul é conhecida por ser uma potência tecnológica, com educação ajustada às demandas de um mercado inovador, competitivo e de alta renda. Essa imagem, que vem sendo construída desde as últimas décadas do século passado, tem um quê do seu lado pouco visível no enredo dramático, cômico e de suspense do filme Parasita (2019), do diretor Bong Joon-ho, natural daquele país asiático.

Com as câmeras voltadas para uma situação de assimetria social decorrente do quadro de opulência e miséria fomentado pelo domínio das corporações sobre os estados-nacionais, o longa revela que crescimento econômico e elevado nível de instrução nem sempre implicam em bom padrão de vida. A tragédia anuncia-se pela privação do senso de justiça e de princípios morais na relação entre famílias de condições sociais extremadas.

Na zona de interseção criada pelo choque entre o sucesso e o fracasso, está a consigna de Parasita: o apelo à esperteza como meio de sobrevivência e fonte conflitante das pessoas consideradas inúteis pelo modelo dominante. A obra tem como ponto de partida a ausência premonitória de perspectiva em uma sociedade equilibrada pelo horror da segregação.

Os extremos escondem o essencial. Mesmo sempre falando em “planos”, os membros da família do submundo não conseguem elaborar nada parecido com um plano de fuga da pobreza. Chegam a fazer pequenos serviços degradantes, mas passam as horas como se não houvesse o que mudar naquela situação carcomida pelo absurdo. Uma suposta saída vem de fora, quando um deles é indicado por um amigo a dar aulas de inglês a uma garota rica.

Muitas situações inusitadas acontecem na sequência, até que os quatro da família ‘insalubre’ dominam astuciosamente o espaço da família opulenta que, de tão segura da sua posição social, não enxerga a trama paralela que ocorre dentro de casa. Neste aspecto da presença de estranhos com comportamentos inesperados que entram pela porta, Parasita lembra O Invasor (2002), do diretor paulista Beto Brant. A diferença é que, no longa sul-coreano, os protagonistas não têm apelo por posses, querem apenas usufruir do que não sabem bem o que é, nem como conquistar.

O desejo de mudar para a mansão não é uma aspiração social, nem vontade de redução de injustiças ou luta por direitos, apenas uma busca de sobreviver melhor. Com os sonhos atrofiados, procuram por algo indefinido. Mesmo quando passam a ter uma renda, nada muda. O filme mostra o que pode acontecer quando uma sociedade experimenta a estranha morte de expetativas em parte de sua população, revelando ainda como a ideia de progresso sem atenção social termina em desgraça.

Não existe nem presente em seu sentido de tempo. O imediato naquelas pessoas é um tipo de regime de temporalidade movido pelo estômago vazio e por um abrigo mórbido. Eles não se sentem ameaçados, não sentem medo e não se decepcionam. Resta-lhes a artimanha como recurso de gestão da miséria.

Há uma aparente boa convivência entre os moradores da mansão e os que nela trabalham. As pessoas dos dois lados não são apontadas como boas nem más. Não passam de imbricações consanguíneas de indivíduos sem historicidade percebida, destituídos de crença e de sentido de destino, fazendo o que podem em uma não-coletividade. Eles se indignam somente uma vez, e só vendo o filme para saber o motivo e o desfecho.