Em seus primeiros movimentos narrativos, o filme Juliet, Nua e Crua (EUA, 2018), do músico e diretor estadunidense Jesse Peretz, em exibição nos cinemas de Fortaleza, coloca a música como pivô de um triângulo existencial entre uma museóloga, um cantor de rock alternativo e o namorado dela, que tem um blog especializado na vida e obra desse roqueiro desaparecido no auge do sucesso de sua única obra.

O drama romântico e cômico é protagonizado pela atriz australiana Rose Byrne, no papel de Annie, uma mulher quarentona, que trabalha como curadora no museu de uma cidade inglesa litorânea, onde divide o mesmo teto com Duncan, interpretado pelo ator irlandês Chris O’Dowd, professor universitário, que preenche o vazio de sua perspectiva de vida indo aos detalhes na fabulação sobre a biografia do artista que elegeu como ídolo, Tucker Crowe, o roqueiro vivido pelo ator estadunidense Ethan Hawke.

O sentido do enredo começa a mudar quando aparece uma gravação demo acústica do trabalho de Crowe, situação que cria as condições de sua aproximação com Annie. Ambos estão carentes de um recomeço amoroso. Ela ainda sonha com as possibilidades de amar e tem vontade de ter filhos, enquanto Duncan não vê graça alguma nisso e parte para a busca de uma relação por afinidade racional com uma colega de academia.

Entre idas e vindas bem-humoradas e melancólicas, o roteiro coloca os três na mesma mesa e revela o choque entre a vida real do artista e os significados sem nexo atribuídos a ele pelo fã obsessivo. O foco em Duncan passa para Annie e Tucker, que compartilham o sentimento de que desperdiçaram um tempo precioso nas relações anteriores: ela, sem ter sequer um desejado filho, e ele, com filhos espalhados com diferentes mulheres em gravidezes indesejadas.

Por trás da forma leve como esse drama é tratado no filme, abrem-se algumas janelas para algo mais profundo envolvendo conflitos vitais, como o decorrente de alguns casos de paternidade negligente em tempo de fama. E o eixo sai da música e passa para o tema filhos, tendo como referência a vida artística dos cantores, sempre assediados e muitas vezes indiferentes à prole que vão deixando por onde se apresentam.

O diretor Jesse Peretz conhece bem essa realidade, pois na segunda metade dos anos oitenta atuou como baixista da banda The Lemonheads, de punk-rock norte-americano. Ethan Hawke também passou por problemas nas relações paterno-filiais, ao casar-se com Ryan Shawhughes, babá dos dois filhos que teve quando foi casado com a atriz Uma Thurman, e com quem gerou duas filhas. Esse cunho autobiográfico imprime autenticidade aos argumentos do roteiro baseado no romance homônimo do escritor inglês Nick Hornby.

A confusão resultante da desconexão de Tucker Crowe com filhas e filhos é presenciada por Annie no dia em que ele tem um infarto e todos se encontram no hospital, exceto a garota que ele abandonou ainda bebê na pia do banheiro do camarim, em seu último show. O caçula Jackson (Azhy Robertson) de uns oito anos, com quem Crowe finalmente desenvolve um aprendizado de pai, sentindo-se confuso com tantos irmãos que acabara de conhecer, pergunta a Annie: “Você é a mãe de quem?”. Dessa indagação nasce uma cumplicidade afetiva que passa a ter grande influência na trama. E por aí se desenrola o fecho do filme.