A iniciação da criança à pratica do piano é muitas vezes desencorajada porque, mesmo as pessoas que compreendem a atração da infância pelos sons, como recurso imaginário e fantasioso de relação com o mundo, tendem a achar que é difícil. Foi pensando em mostrar que não é bem assim que as professoras Angelita Ribeiro e Maria Helena Lage escreveram o livro Amigos do Piano – Pré-leitura (Lumah, 2019), lançado na sexta-feira passada, 20, na Livraria Leitura RioMar, em Fortaleza.

O método Lage & Ribeiro traz uma excelente contribuição à pedagogia musical por ir ao encontro do interesse da criança, com motivos e ilustrações convidativas, palavras oportunas e explicações restritas ao necessário para o fluir e o fruir livremente. O recurso do pequeno conto e da pequena peça musical faz sentido para a criança e sua capacidade perceptiva, o que torna essa brochura um meio de fácil aprendizagem voltado para meninas e meninos de cinco a dez anos.

A experimentação da sonoridade do piano passa por chuva no bosque e, com isso, a criança sente os graves do trovão e os agudos dos pingos d’água. O movimento alternado dos dedos pode ser praticado em brincadeira de gangorra. A subida, a descida e a permanência do pulso transitam por versos em que um pintinho aventureiro escuta, examina e percorre toda a extensão do teclado: “E no morro que havia / Bem perto do galinheiro / O pintinho lá subia / Porque era aventureiro / Na subida ele bicava / Todo milho que encontrava”.

O reconhecimento visual, táctil e auditivo do teclado e suas possibilidades sonoras acontece na primeira parte do livro. Em contexto de brincadeira, a criança aprende a tocar, tocando, pegando no piano, experienciando o diálogo com o instrumento, chegando ao som antes de conhecer as notas. É assim que Angelita e Maria Helena cativam e cultivam a sensibilidade e a natureza espontânea do espírito infantil.

Na segunda parte, o enfoque se dá na ordenação dos elementos musicais, através das linhas, espaços e signos de notação. As historietas mudam. O uso das mãos em concha passa pelo silencioso canto de um caracol, em seu andamento lento e fononímico, associando a altura dos sons aos gestos. E para reforçar a articulação de notas repetidas, as autoras lançaram mão do Saci Pererê: “Dó, Ré, Mi / O SACI / Mi, Fá, Sol / PELO SOL / Fá, Mi, Ré / VAI A PÉ / Mi, Ré, Dó / COM’A PERNA SÓ”.

O trabalho de Angelita e Maria Helena alinha-se à pedagogia musical que parte do respeito aos interesses infantis, permitindo a velocidade de descoberta de cada um e a possibilidade de participar. O ludismo e a espontaneidade presentes na proposta deixam a meninada segura para interagir. Essa é uma das características essenciais do método Lage & Ribeiro, pois facilita a troca de impressões, emoções e experiências entre adultos e crianças.

Bem atentas ao ser vibrante e curioso que é a criança, as autoras prepararam um livro que sugere a demonstração como estímulo. Isso me fez lembrar o dia em que eu estava na casa da pianista Nara Vasconcelos com o meu filho Lucas, então com uns seis anos, e ele, percebendo o piano aberto, subiu no banco e começou a fazer uns fraseados. Foi então que a Nara perguntou espirituosamente onde ele tinha aprendido a tocar. Ele respondeu: “No filme dos Três Porquinhos”. A infância é amiga do piano.