Os riscos causados pela pandemia do coronavírus sugerem que fiquemos dentro de casa o máximo de tempo possível. Para as crianças, essa é uma situação que se torna mais dramática ainda por conta da complexidade de compreensão desse fenômeno de contaminação em massa. Diante de tal impasse de isolamento social, o Instituto Pró-Saber resolveu lançar uma campanha de leitura para crianças sem-aula, com a participação de autores e pais. O Pró-Saber é uma entidade da sociedade civil voltada para a formação de crianças leitoras na comunidade de Paraisópolis, localizada na zona sul paulistana.

A ideia é evitar que, enquanto estiverem sem aula, as crianças não percam o contato com o livro, e também contribuir para deixar esse período tão difícil um pouco mais leve e divertido. Assim, autores e ilustradores de livros infanto-juvenis foram convidados pela instituição a ler seus próprios textos em vídeos que serão disponibilizados pelos canais de compartilhamento do Pró-Saber. As educadoras e os educadores que estão à frente dessa iniciativa têm a crença de que o contato diário com a literatura ajuda a preparar as crianças para entender o que está se passando.

Os temas gravados em câmaras de celulares são livres. O direcionável é a aproximação que a ação possibilita da situação de leitores e autores, ambos reclusos em suas casas. Sem precisar de explicações, a disponibilização dos vídeos diz por si que estamos todos vivendo os mesmos desafios do auto-encarceramento. As crianças têm contato com quem escreve e com quem ilustra do jeito que cada um é, no local onde cada um mora e no tempo presente. Ou seja, ao contrário de era uma vez, elas experienciam um tempo circunstancial presente, imagético e imaginário.

A campanha do Pró-Saber oferece histórias com afeto digital em uma espécie de humanização de mídia no desfazer de distâncias. É metacontação pelo que apresenta de ligação entre a história do contador, a da criança e a que simultaneamente está ocorrendo com todos na clausura para proteção do vírus. Excede a causa. Isso mesmo, a literatura é acontecimental. Esses vídeos constituem parte de uma situação que, por sua vez, faz parte de uma história maior que aflige a humanidade.

Acessando os vídeos com as leituras de histórias pelos próprios autores, as crianças, mesmo dentro de suas grutas e cavernas pessoais, percebem que tudo está interligado pela força original da criação literária. Em um mesmo evento, elas podem combinar as histórias contadas nos vídeos com as notícias sobre o coronavírus. A despeito de a percepção e a imaginação serem funções psíquicas distintas, essa campanha permite que a realidade e o significado das palavras façam-se presentes como parte de um mesmo fenômeno social.

Por meio dessa atividade alternativa, o Pró-Saber contribui para o sentido de realidade, conectando a imaginação aos fatos. Enquanto a biblioteca da instituição estiver fechada, os autores visitarão seus leitores, em um reforço de vínculos que envolve ainda familiares e cuidadores, transformando o que seria o desgaste de ficar em casa trancafiado em aproveitamento do tempo para experiências agradáveis de relaxamento e reanimação, tendo a leitura como campo policêntrico e a literatura como instrumento para desenvolver modos de estar no mundo. E a criança faz isso brincando, literalmente.