A palavra “resistência” tem em seu significado político histórias grandiosas que devem ser sempre lembradas. Durante a Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), movimentos de resistência como o francês (La Résistance) e o italiano (Resistenza) foram fundamentais na luta contra o nazismo e o fascismo. No Brasil, a resistência de estudantes, artistas, sindicatos e camponeses à Ditadura Militar (1964 – 1985) também foi cantada em prosa e verso.

Nos exemplos francês e italiano, o uso dessa palavra de ordem foi aplicado a situações de ocupação territorial por um invasor externo que se aliou às forças conservadoras internas que controlavam o Estado. No caso do Brasil, “resistir” foi o verbo utilizado para o enfrentamento de um governo constituído por autoridade ilegítima, que precisava ser destituída do poder. Em ambas as circunstâncias, havia um inimigo comum imposto pela força das armas.

A realidade brasileira atual, com a eleição de um presidente de ultradireita, levou setores da esquerda a retomarem a expressão “resistência” como marcadora de posição e catalisação de simpatizantes em defesa de correligionários perseguidos, das questões raciais, indígenas e de gênero. No entanto, não há espaço para a recitação automática de fórmulas do passado. Diferentemente das ocupações e das ditaduras, não há intrusos a expulsar, nem governo para derrubar.

Os conservadores chegaram ao poder pelo voto, foram eleitos pelo sistema democrático e, se a sociedade brasileira decidir tirá-los do comando, deverá fazê-lo pelas vias constitucionais. Essa reversão requer, no entanto, caras novas em uma esquerda de mentalidade predominantemente envelhecida, que não consegue enfrentar as provocações do presente sem as lentes da “resistência” aos modos do distante passado revolucionário.

As lideranças que insistem em comandar a “resistência” atrapalham a renovação do processo utópico, com suas apostas em nichos de interesses, muitas vezes descomprometidos com o todo. E a melhor forma de dar sustentação ao novo governo eleito é seguir forçando os extremos. Foi aí que a ultradireita ganhou e é onde ela se mostra mais forte. A estratégia de “resistir” acaba servindo a uma finalidade paradoxal. Quem se pauta pela “resistência”, sem visão crítica, atribui as desgraças ao opositor, mas também assume subordinação a ele.

Ater-se à “resistência” me faz lembrar a alegoria do homem que perdeu a chave num beco escuro, mas foi procurar na rua ao lado onde havia iluminação. Se é no escuro que está estruturada a nova arquitetura do poder e, em vez de luz, os mais desfavorecidos, os não representados e os sem-poder recebem ecos de um chamado à “resistência”, fica difícil discernir entre desejos e necessidades reais e a tentação do consumismo da fé e da perspectiva de acesso ao brilho do supérfluo.

Não há dúvida de que “resistir” pode evitar o aprofundamento de alguns retrocessos nas experiências que deram certo no passado recente. Entretanto, resistir é muito pouco, diante dos desafios de emancipação social em um país que foi nivelado por baixo em suas expectativas de transformação pela política. O alvo mobilizador na atual conjuntura é o conjunto de desigualdades, desde que explicitado por soluções comparativas concretas, e visto como ponto de convergência dos temas da agenda social e do bem comum.