As roças de mandioca e as casas de farinha têm grande relevância na paisagem cultural do Nordeste brasileiro. Durante o processo de ocupação pecuária nordestina, entre meados do século XVII e o final do século XIX, foram cerca de duzentos anos de formação de uma geografia humana resultante do confronto entre colonizadores e povos originários.

Um dos reflexos dessa relação está na culinária com base em derivados da mandioca: farinha, pirão, angu, tapioca, beiju, broa, peta, bolo de cera, palmas, sequilhos, bolo de aipim, rosca, bolo e bolinho de goma, pão de queijo, macaxeira frita, dadinho de tapioca e bolinha de macaxeira com carne de sol são algumas dessas delícias. Boa parte dessa lista sempre esteve presente nos hábitos alimentares do sertão.

Nasci em Independência, nos Inhamuns, sertão cearense marcado pela culinária de derivados de mandioca. Quando eu era criança, adorava as roscas de goma que a minha mãe Socorro preparava, em forma de trança, para a merenda. Além de saborosas, essas roscas ainda permitem que a gente as morda esticando e saboreando cada volta do seu trançado.

O município de Independência fez parte do Piauí até o final do século XIX. Duas razões gerais se destacam nesse vínculo com o território piauiense: a criação extensiva de gado e o fato de as águas daquela região não chegarem ao mar pelo litoral cearense, pois atravessam o Boqueirão do Poti (Cânion) e seguem pelo rio Parnaíba para desague no Oceano Atlântico.

Uma terceira razão a ser considerada foi o enfrentamento do exército português, por parte de cearenses, piauienses e maranhenses (1823), na Batalha do Jenipapo e no Cerco a Cachias (sim, Caxias era escrito com “ch”), evitando que o Brasil perdesse a Amazônia para Portugal após o Grito do Ipiranga (1822), epopeia narrada no meu livro “Toque de Avançar” (Armazém da Cultura).

A culinária decorrente dessas interações nordestinas, e, claro, das vinculações com a região Norte, onde a mandioca integra a alimentação básica das populações ribeirinhas, assumiu características e nomes distintos nos diferentes lugares. O que, por exemplo, chamamos no Ceará de ‘rosca de goma’ e ‘bolo de goma’, tem respectivamente o nome de ‘bolo frito’ e ‘rosca’ no Piauí, onde esse rico tesouro de derivados de mandioca está mais preservado.

Rosca de goma/bolo frito, com bolo de goma/rosca no detalhe

Dona Ediane Atem, piauiense de Floriano, é campeã nessa culinária. Certa vez me deu de presente uma deliciosa rosca (bolo de goma) feita por ela mesma, e ainda me passou generosamente a receita de bolo frito (rosca de goma), com o cuidado de dizer que, depois de amassada com as mãos, estirada, dobrada e contorcida, a massa deve ser colocada para fritar em óleo frio, de modo que a fervura do óleo e das trancinhas se dê ao mesmo tempo.

Augusto Rocha, piauiense de Oeiras, sabendo do meu gosto pelos subprodutos da mandioca, levou-me para conhecer a rosca (bolo de goma) do Piauí feito em uma padaria de Fortaleza. Muito bom, sal no ponto, casca grossa crocante e parte interna macia e cheia de frinchas que agradam as mais exigentes papilas gustativas. Incluí esse bolo nos cafés de sábado que tomo com a minha mãe. Ela também adora.

A mandioca foi disseminada no mundo colonial português durante o período das navegações, e, atualmente, tem grande importância alimentar em países africanos como Nigéria, Congo, Gana, Angola e Moçambique, e asiáticos, tais como Tailândia, Indonésia, Vietnã e Cambodja. E fico imaginando que tipo de culinária eles desenvolveram com a raiz dessa plantinha de origem brasileira.