A notícia de que o Conselho Gestor das Unidades de Conservação da Sabiaguaba aprovou quarta-feira passada (8) a licença preliminar para a construção de um loteamento com 50 hectares dentro daquela Área de Proteção Ambiental (APA) causou uma linda inquietação cidadã em Fortaleza. Muita gente se mobilizou, produzindo tensão entre o que seria um empreendimento descabido e os anseios da cidade.

É certo que nesse tipo de área de conservação há o consentimento para intervenções de uso sustentável, o que não combina com os impactos ambientais e sociais de exploradores imobiliários que agem como se os lugares protegidos fossem terrenos baldios. Normalmente alegam a ausência de características especiais na representação geoambiental do lugar que querem ocupar inadequadamente.

O que teria de tão importante esse trecho de campo dunar plano, essa restinga acerca do rio Cocó, sua flora, sua fauna? – perguntam os defensores do projeto, ao tempo em que dizem xô ao gato-do-mato e mandam a flor de Bacopa cochlearia procurar as abelhas de outro lugar. Na cabeça dessa gente tudo pode e deve ser desalojado para a chegada das suas novidades segregacionistas, tais como os condomínios fechados e suas propagandas de segurança e autossuficiência de produtos e serviços.

Essas moradias-bolhas, juntamente com os shoppings centers, tornaram-se réplicas das cidadelas medievais. No livro Bulbrax – Sociomorfologia Cultural de Fortaleza (Armazém da Cultura), detalho o espírito desagregador dessas pessoas que impõem à cidade esse tipo de crescimento com devastação e desigualdade, pouco ligando para o que vai dar, pois se sentem apenas como apropriadoras das riquezas locais e, assim, seguem permanentemente deixando escombros para trás.

Ao longo do tempo essa parte da sociedade evita a integração social, fugindo sempre para espaços de distanciamento da vida urbana. Nunca suporta estar onde a cidade está. Esse é o lado mais triste da história de Fortaleza, uma cidade marcada por falta de organização territorial, que perdeu a racionalidade urbana depois que passou a receber a influência estadunidense nas últimas sete décadas. A cidade até chegou a ter um posicionamento paisagístico efetivo na primeira metade do século XX, mas espaços verdes planejados, como os boulevards ainda remanescentes do seu centro de origem, não mais foram priorizados.

A interferência direta do setor privado na administração pública, em detrimento dos interesses coletivos, é um traço lamentável do que se poderia chamar de desenvolvimento de Fortaleza. A mentalidade predatória que fatura com a destruição da cobertura vegetal da cidade é a mesma que produz a apartação social e cultural. Gente que está sempre construindo mundos à parte e que vive em um imaginário povoado de falsas grandezas só consegue ouvir a realidade quando a erosão social que ajuda a provocar abala os muros das suas prisões domiciliares.

Os descasos continuados com a cultura da cidade reduziram as condições sociais para o tratamento da coesão entre lugares e sentidos. Mas ainda há tempo de salvar áreas como a Sabiaguaba. Por isso, reações como essas que puseram um freio nesse pretenso novo loteamento são fundamentais para o conjunto potência da cidade. É preciso que a sociedade abrace as regras do urbanismo sustentável para enfrentar a sanha imobiliária de destruir o que resta de cobertura verde em Fortaleza.