Toda vez que é lançado um livro sobre o Saci o coração das matas fica agitado e esperançoso porque juntamente com o nascer de uma obra literária sacizística afloram também novos modos de observar nossas relações com o meio ambiente. Monteiro Lobato (1882 – 1948) abriu essa estrada há mais de um século e por ela outros autores vêm realçando os feitos de proteção à natureza inspirados por esse moleque danado que anda de redemoinho pelo mundo.

Como bem sintetizou o título da matéria de sábado passado neste Vida&Arte, “Somos um tanto de sacis”. E acabo de conhecer mais um, o Saci Romão, personagem do livro infantil “Saci, embaixador da mata”, do poeta e contador de histórias mineiro Ricardo Evangelista, lançado dia 31 em bate-papo on-line que contou com a participação de Mary Odara, do Movimento Negro, do folclorista José Moreira de Souza, do poeta Marco Llobus e da jornalista Tatiana Fraga, com mediação da professora e brincante Juliana Ribeiro.

Detalhe da obra “Saci Pererê e o Sapo” (1949), do artista plástico carioca Hélios Seelinger (1878 – 1965). Óleo sobre madeira.

O Saci é uma das mais admiráveis e reconhecidas figuras originárias da nossa imaginação popular. Atraindo crianças e adultos, a cada dia ele continua inspirando a arte e a literatura. Na música, por exemplo, fez parte da estreia da maestrina carioca Chiquinha Gonzaga (1847 – 1935) no teatro, em 1884, com a composição Saci-Pererê, e acaba de dar pulos no Funk Dub do Saci, do reggaeman paulista Ualê Figura.

Música é um componente saciológico fundamental. Há mais de um século que em todas as décadas são lançadas composições tendo o saci como protagonista. Eu mesmo já fiz três: “A Festa do Saci”, com Orlângelo Leal, sobre um saci que escapa das peneiras do consumismo, “Se Você Fosse um Saci”, com Válerie Mesquita, na qual abordamos o saci que vive nas praças das cidades, e “Sapacipi Pepereperepê”, com Calé Alencar, em que a aparição do saci é descrita na Língua do Pê, um idioma próprio da infância, mas que alguns adultos falam.

No conto de Ricardo Evangelista, o Saci Romão não saía do bambuzal e, na condição de filho de escravizado, vivia temeroso diante da violência acometida por exploradores da mata onde morava. Mas a situação chegou a um ponto em que não deu mais para suportar e ele partiu para danificar machados, abrir gaiolas e dar assobios assustadores para proteger a fauna e a flora. Além de agir em defesa da natureza, esse saci gosta de festas e de adivinhas, despertando quem não se dá conta de que a sombra passa na água e não se molha.

O livro de Ricardo Evangelista é cheio de versos saltitantes: “Na selva eu salto / Nasci por aqui / Menino peralta / Me chamo saci / Amigo da mata”. O sentido de mito ecológico está presente também em detalhes como o gorro vermelho que o Saci Romão ganhou de presente de um beija-flor e o cachimbo que ele recebeu de um catitu, mas que pertencera a um velho índio preto que um dia perdeu suas terras.

O autor fala de um saci que de tanto andar de redemoinho fundiu as pernas em uma só para ser mais rápido, mais ágil e mais brincalhão. O Saci Romão é bom de fazer amizade e é cheio de amigos que habitam a floresta, sejam aves e animais selvagens ou seres encantados como o curupira, o lobisomem, a mãe d’água e oxum. A contação de Ricardo Evangelista ressalta ainda o dom do saci no trato dos mistérios das plantas; habilidade que para mim sugere inspiração no Ossaín, o ser das metades que cuida das ervas nos rituais iorubá. Bem-vindo, Saci Romão!