Quem sobe em uma esteira para fazer teste ergométrico nem imagina o que pode acontecer no intervalo de tempo habitual desse tipo de exame. O normal é que não aconteça nada de especial mesmo. Não quando a médica é a cardiologista ítalo-brasileira Dra. Floriana Bertini. Praticante de uma medicina humanizada, ela tem sempre algo a falar sobre as iniciativas que inventa como contribuição ao bem-estar social.

Na condição de profissional de saúde do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, certo dia de 2020, sob a tensão da covid-19, ela comentou de um personagem que havia criado, e a paciente logo se interessou pela ideia de chamamento para a necessidade de mudança de paradigmas nas relações interpessoais, representada na figura do Sr. Qualquerum, como Floriana batizara a sua criação.

Na sequência dessa conversa entre a Dra. Floriana, o Sr. Qualquerum e a Sra. Meiry Nassar, coordenadora do voluntariado do GRAACC – Criança, instituição que apoia crianças e adolescentes com câncer, nasceu uma movimentação de interessados em produzir vídeos que pudessem proporcionar ânimo às crianças em tratamento oncológico, já que não poderiam estar presencialmente com elas.

Cerca de trinta pessoas de diferentes áreas se uniram para compartilhar arte, carinho e alegria com a meninada. Tudo foi documentado e lançado inicialmente em e-book das edições Loyola (2020) e, depois, em edição impressa, com o título “Qualquerum e a semente da esperança” (Ás Editorial, 2021). Nele, Floriana relata o processo de prática cooperativa, publica trabalhos autorais e depoimentos das pessoas que se engajaram no projeto.

Há um forte sentido comunitário e de valorização da força coletiva nessa produção. Na abertura, o palhaço e ator Wellington Nogueira refere-se ao Sr. Qualquerum como “aquele que seria apenas um boneco, não fosse o fato de ter sido criado por uma moça cuja missão é cuidar dos corações das pessoas para que eles funcionem bem” (p.9). Algo como funcionar bem fazendo o bem. Para isso, Floriana pensou em um personagem simples, mas que pudesse estimular comportamentos pró-sociais.

A partir dos desenhos do Sr. Qualquerum, feitos por Floriana, a pedagoga e artesã Maria Daminello, mãe do médico ecocardiografista Edgar Daminello, colega de trabalho da autora, confeccionou um boneco de pano com pernas e braços de barbante que pudesse “se comunicar com a criança interior de cada um de nós” e transmitir por si a mensagem “ de que é possível caminharmos juntos para viver melhor”, como explica Floriana (p.12).

Mais recentemente, esse boneco de pano ganhou um livro próprio, intitulado “Qualquerum em tempos de coronavírus” (Ás Editorial, 2021), no qual aparece em processo de modulação emocional diante da pandemia. Com texto leve e ilustrações didáticas, a publicação organiza a linha de conduta do personagem diante do problema e da valorização da vida, tendo como base o modelo transteórico do psicólogo estadunidense James Prochaska, voltado para a superação das limitações cognitivas que dificultam novos hábitos.

A Monja Coen escreve no prefácio que “Qualquerum pode transformar o desespero, a confusão, a ansiedade e o medo usando a espiral da mudança” (p.5). Nessa pegada, o personagem de Floriana Bertini evolui da condição pré-contemplação para a da contemplação, e da preparação para a ação, até estabilizar ao hábito do cuidado consigo e com os outros diante dos acontecimentos.