No jardim interno da casa e laboratório fotográfico da família Saraiva Leão, no Crato, conversei com Ernesto Rocha, filho da fotógrafa e fotopintora Telma Saraiva (1928 – 2015). Ele estava reticente ao falar dos preparativos para a inauguração de um museu orgânico em homenagem à sua mãe. Em determinado momento, me perguntou:

– Você vai fazer uma matéria para o jornal sobre a nossa conversa?
– Sim, é o que pretendo – respondi.
– Eu não gostaria que saísse nada na mídia antes da inauguração, para não perder o encanto.

Notei que o ‘encanto’ era um valor na história que ele tinha a me contar, e lhe assegurei que somente escreveria sobre o assunto depois que as portas do Museu Casa de Telma Saraiva fossem abertas ao público, o que ocorreu no sábado passado (13), na rua Tristão Gonçalves, 519, centro daquela cidade.

A conversa ficou solta em suas cores, afetos e boas lembranças. Percorremos os ambientes montados, abrimos álbuns de fotografias e caixas de negativos de vidro e vimos as câmeras fotográficas do acervo. Eram os originais do Photo Riso, que, antes de se tornar Foto Saraiva, incorporou ao seu patrimônio trabalhos do fotógrafo Pedro Maia, que registrou a imagem de ícones nordestinos como Lampião e Padre Cícero.

Está ali parte significativa da história cratense, desde a chegada da estrada de ferro, em 1926, mesmo ano da construção da casa que o Sesc-Ceará e a Fundação Casa Grande viabilizaram como museu, realizando, assim, um antigo desejo da família. O avô de Ernesto, de quem herdou o nome, foi adotado pelo Crato juntamente com os trilhos e as marias-fumaças.

A Casa de Telma Saraiva passa a integrar uma rota de turismo cultural na região do Cariri, definida por lugares e pessoas de referência para a arte e a cultura. Em uma família de tantos artistas, ourives, fotógrafos, atores e pintores, o destaque a Telma Saraiva é dado pela distinção pioneira do seu requintado trabalho como pintora de fotos por mais de meio século.

A obra de Telma vai além das tradicionais intervenções no ato de olhar, comuns nos retratos pintados tradicionais; ela revela o encanto existente em cada imagem. O tom lírico e fantasioso de sua pintura atravessa o tempo e está presente na era digital, seja como “fotoplástica”, “fotoarte” ou simplesmente “tratamento de imagens” por meios eletrônicos.

Flávio Paiva e Ernesto Rocha, no jardim interno da casa e laboratório fotográfico da família Saraiva Leão, que passa a abrigar a Casa Museu Telma Saraiva, na cidade do Crato-CE. Foto de Andrea Pinheiro.

A técnica fotoquímica e digital de produção de ilusão mudou com os avanços tecnológicos, mas há uma grande aproximação entre a foto pintada e emoldurada de um século atrás e a que hoje predomina com filtros nas telas dos smartphones. Telma Saraiva sabia que as pessoas queriam sair bonitas nas fotografias, independentemente da realidade.

Assim, fazia em casa com os próprios filhos experimentos de vestimentas e interações com objetos e animais para a produção de portfólio destinado à infância. Fotografou a si também, usando espelhos e referências de estrelas do cinema hollywoodiano tanto por devaneio como para estimular suas clientes mulheres a brilharem.

Enquanto o pai, Júlio, dedicava-se mais aos retratos de estúdio, a mãe, Mirô, cuidava do laboratório e o marido, Edilson, fotografava eventos sociais, Telma ia além da fotografia plástica, fazendo trabalho em estúdio e saindo para fotografar a cidade. Nesse vaivém criativo, fotografou Luiz Gonzaga e recebeu em casa a imagem de Nossa Senhora da Penha, a padroeira do Crato, para pintar. Tudo por encanto.