Toinzinho com a camisa africana (foto: Flávio Paiva)

Meu pai, Toinzinho (1921 – 2015), tinha uma facilidade impressionante de puxar conversa por onde andava. Não interessava o lugar em que estivesse ou o idioma de quem fosse o interlocutor. Ele confabulava com tanta simplicidade que cativava a atenção das pessoas. Comentava sobre a paisagem se estivesse em locais abertos, fazia comparações de detalhes do ambiente em que se encontrava com outros lugares que conhecia e, se o cantinho fosse muito reservado, filosofava sobre gente, criação de animais e natureza.

Certa vez, em uma das viagens internacionais que ele e a minha mãe Socorro fizeram com o meu irmão Paulo, ocorreu uma situação tão inusitada que ele não se cansava de recordar: a história da camisa africana; uma camisa que ele vestia com muito orgulho e que ainda temos guardada como uma relíquia. Em si, enquanto peça de vestuário, essa camisa não tem nada demais, embora expresse a força de uma cultura com suas faixas horizontais em verde, amarelo e vermelho, além de grafismos em preto e branco que incluem uma repetição do mapa da África.

O certo é que o meu pai dava muita importância a essa camisa, muita importância, mesmo. Para ele, o maior valor daquela vestimenta estava na forma como a adquiriu no mercado de artesanato da cidade de Santa Maria, capital da Ilha do Sal, em Cabo Verde. Ele estava hospedado na tranquilidade do hotel Meliá Tortuga, sempre circulando para bater papo na área da piscina e pela praia. Como eu já disse, puxando assunto com ingleses, alemães, franceses, holandeses ou portugueses.

Teve um dia em que a programação do grupo guiado pela Tour du Monde foi ir no ônibus do hotel fazer compras na cidade, onde há muitas lojas de souvenires do arquipélago e muitas vendas de artesanato, sobretudo de imigrantes senegaleses. Meu pai desgarrou-se dos demais, embrenhando-se pelo mercado, curioso diante de tantas cores de artigos de tecidos tingidos, peças de barro, conchas do mar e frutas, algumas que ele dizia logo aos feirantes que também temos no Ceará, como manga e mamão.

Em um determinado momento meu pai deparou com uma tenda de camisas com estampas que ele nunca tinha visto igual. O senegalês que o atendeu, falando francês ou crioulo, expôs todo o repertório de padrões de que dispunha, mas nenhum agradava plenamente o gosto do meu pai, embora ele estivesse com muita vontade de comprar uma camisa daquelas. Com acenos, palavras soltas e mostrando diferentes tecidos, explicou para o ambulante o modelo que desejava.

O camelô afirmou ter compreendido o gosto do meu pai; pediu uns segundos e foi até a venda de outro senegalês pegar mais opções. De longe o meu pai viu que o vendedor tinha mesmo entendido tudo, pois voltara com uma camisa do jeito que ele queria. Ficou muito contente. Entretanto, na hora de pagar, em sua carteira só havia cédulas de real, e o ambulante disse que a moeda brasileira não era aceita naquele mercado. Meu pai, que já era um homem com idade bem avançada, contava com satisfação como guardara em sua lembrança o semblante do vendedor olhando para ele como se não soubesse o que fazer ou dizer diante da situação. E o pior é que estava na hora de voltar para o ônibus.

Meu pai agradeceu a gentileza e o empenho do ambulante e saiu triste, cabisbaixo por não ter podido adquirir aquela camisa da qual tanto gostara e que havia dado tanto trabalho para escolher. Ao aproximar-se do ônibus teve de apressar o passo, visto que o grupo já estava embarcado. Quando, porém, pisou no batente da porta para entrar no transporte, escutou alguém que corria gritando em sua direção. Olhou para trás e era o camelô que, comovido, resolvera dar a camisa de presente ao meu pai. Esse gesto jamais foi esquecido por ele, que costumava vestir a camisa africana para contar essa história a quem quisesse ouvir.

Fonte: riVISTA do Mino nº 224