Turismo colonial
Artigo publicado no Jornal O Povo, Cidade, página 10

Sábado, 3 de Junho de 1989 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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O interesse externo pelo desenvolvimento turístico no litoral do Ceará tem aumentado em ritmo acelerado. São muitos os empreendimentos nacionais e internacionais que se propõem a “beneficiar” a costa cearense. Todos apresentam logo de chegada um romântico desejo de preservação dos direitos comunitários e naturais da região. Por trás dessa veste ecológica, os idealizadores desses investimentos normalmente “convencem” líderes políticos para que facilitem a estruturação das bases de seus complexos empresariais. A quebra da resistência dos moradores é trabalhada com cautela. Assistencialismo, sugestões de progresso individual desagregador e promessa de “civilização”. Conversas pretensamente afinadas no tom das histórias extraordinárias de pescadores…

O capital forasteiro deseja montar um “supermercado” turístico, onde possa vender raios de sol, belas praias e, principalmente, afetividade. Calor humano e iodo em uma luminosa e encantadora sauna ao ar livre. Matérias-primas da vida que não podem ser transportadas “in natura” para os sofisticados shoppings centers dos países “ricos”. A estratégia é simples, embora guarde ar de segredo: o turista chega em vôo “charter” de companhia aérea estrangeira, com passagem adquirida em agência no exterior. No complexo turístico, fica hospedado na rede de hotéis de seus países de origem que, também, será conduzida por gerentes e técnicos “importados”. A oportunidade de fazer a limpeza, de trabalhar na portaria ou como segurança, fica para as comunidades locais. Quem for muito jeitoso e obediente, pode até conseguir um local para comércio de artesanato e “exóticos” frutos tropicais.

Os neocolonizadores suprem suas carências existenciais e econômicas, fazem a maior arruaça-chic no nosso litoral e voltam para casa no mesmo avião que retorna a “mala” dos dólares e comprovantes de depósitos da viagem. O que sobra para o Ceará, com esse efeito sinuca, é a destruição de suas reservas ecológicas e um problema sócio-cultural, provocado pela relação desigual de informações e poder econômico entre os nativos, os investidores externos e os turistas. Nós cearenses devemos nos esforçar para que a política de turismo do Estado insira em seus planos meios de formação de uma cultura turística. Precisamos compreender muito bem o que é isso, como funciona e o que podemos fazer para transformar nosso conhecimento culinário, artístico, de letramento, e tantas outras expressões e costumes diferenciados, em negócios cujos resultados nos beneficiem.

Sabemos que devemos e podemos explorar o nosso potencial turístico. Caso seja necessário contar com a participação de empresas de outros estados e estrangeiras, não há problema. Que sejam bem-vindas. Desde que saibamos o que estamos fazendo e o tipo de turismo que queremos, esses detalhes serão resolvidos automaticamente. Para existir realmente, a indústria turística cearense prescinde de uma postura de respeito às características ecológico-culturais de cada região e não se justifica se não servir para a melhoria da qualidade de vida da população cearense e para fortalecer as divisas nacionais.