Organização: Irineu Guerrini Jr.
e Eduardo Vicente. Rio de Janeiro: E-papers, 2010

Ensaio em PDF

Andréa Pinheiro[1]
Flávio Paiva[2]

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Introdução

No início dos anos 1990, pouco se ouvia no rádio a tradicional música nordestina brasileira. No campo do entretenimento, o balanço do fricote baiano ganhara destacada dimensão mercadológica, passando a ser chamado de “axé music” e extrapolando o calendário carnavalesco em sua propagação pelo País.  Os ritmos que compõem o forró, no entanto, continuavam praticamente restritos aos períodos das festas juninas e às feiras populares, tais como a de Caruaru, em Pernambuco, e a de São Cristóvão, no Rio de Janeiro.

Mesmo nas rádios do Nordeste, via de regra, as músicas de forró eram consideradas “bregas” e “cafonas” e estavam ausentes da programação das emissoras. Somente as rádios comprometidas com a difusão da autêntica música nordestina não se renderam ao poder dessas adjetivações.

Na primeira metade dos anos 1990, porém, a despeito da baixa qualidade artística, a sonoridade nordestina ganhou novas feições comerciais e passou a tomar conta do Brasil com os sucessos embalados pela banda Mastruz-com-Leite. É sobre a estratégia comercial empreendida pelo grupo SomZoom, proprietário da Mastruz-com-Leite, que comentaremos em seguida.

Antes, contudo, convém refletir que o conceito de forró, como sinônimo de festa, vem de antes da criação do “Baião” (Humberto Teixeira / Luiz Gonzaga), nos anos 1940. O Dicionário do Folclore Brasileiro (1972), de Câmara Cascudo, conceitua forró como corruptela de forrobodó, que “caracteriza uma festança em que tomam parte indivíduos de baixa esfera social, a ralé”, também definido como “festança, diverti-

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mento, pagodeiro”. O autor considera ainda que forró é o mesmo que arrasta-pé, sinônimo para designar “baile reles”(1972). Quer dizer, não diz respeito a um ritmo, mas designa uma diversão popular.

 

Intuição empreendedora

A observação de que os salões que freqüentava ficavam cheios quando as bandas tocavam uma seqüência de xote e baião foi o que despertou o empresário Emanoel Gurgel para a criação da banda Mastruz-com-Leite, em 1992. Com esse achado oriundo da intuição e não de qualquer conhecimento mercadológico da indústria da música, ele partiu para produzir uma inflexão no setor.

A cena do entretenimento ganhou uma banda com nome que expressa uma inusitada mistura nordestina. A palavra mastruz é uma derivação de mastruço (coronopus didymus), planta medicinal muito conhecida no Nordeste e que, misturada ao leite, tem efeitos curativos para gripes e doenças respiratórias.

No mundo do “axé music”, a combinação de nomes estranhos como denominação de grupo musical já estava presente no mercado de bailes, com a banda Chiclete-com-Banana, nome adotado pela banda Scorpius, com base numa história que os músicos inventaram, segundo a qual um dia, depois de um show, eles chegaram em uma barraca para comer e só tinha chiclete com banana.

O nome Mastruz-com-Leite, da SomZoom, também segue a linha mercadológica do humor na construção da diversão. Diferentemente da expressão “Chiclete com Banana” (Gordurinha), popularizada pelo ritmista paraibano Jackson do Pandeiro (1919 – 1982), que tinha um cunho político e valor artístico: “Eu só ponho bebop no meu samba / quando o Tio Sam pegar o tamborim / quando ele pegar no pandeiro e no zabumba / quando ele aprender que o samba não é rumba / Aí eu vou misturar Miami com Copacabana / Chiclete eu misturo com banana”.

A forma que o empresário concebeu para organizar a Mastruz-com-Leite foi completamente diferente do que estava estabelecido no mercado. Ao forró tradicional de triângulo, zabumba e sanfona, foram incorporados outros instrumentos como sax, teclados e guitarra, nascendo aí o que inicialmente se convencionou chamar de “oxente music”, em uma referência à onda comercial baiana.

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O modelo sonoro formatado pela SomZoom passou a ser identificado posteriormente como “forró eletrônico” e, da mesma forma que incentivou o surgimento de um sem-número de bandas clonadas da Mastruz-com-Leite, contribuiu fortemente para que houvesse uma reação dos defensores e amantes do “forró de raiz”, com a propagação de apresentações do tradicional forró pé-de-serra, e o nascimento do “forró universitário”, caracterizado pela participação de jovens de classe média, que passaram a formar grupos musicais inspirados em clássicos da música nordestina como Zé do Norte, Jackson do Pandeiro, Luiz Gonzaga, Anastácia, Marinês, Trio Nordestino e Dominguinhos, dentre outros.

Essa movimentação generalizada em torno dos mais genuínos dos gêneros musicais nordestinos intensificou a fusão de significados da palavra forró, no sentido de festa, como anteriormente havia sido identificado por Câmara Cascudo. E mais, o termo forró passou também a denominar uma síntese de ritmos nordestinos, ocultando as variantes de marcação de tempo próprias de gêneros musicais,  como o xote, o coco, o xaxado e o baião, que originalmente compõem o ambiente do forró.

Na sua condição de festeiro e de empresário, Gurgel percebeu que os intervalos esfriavam as festas e passou a realizar shows onde sua banda tocava quatro ou cinco horas sem parar. Para viabilizar esse tipo de jornada, desenvolveu uma estrutura interna de grupo, que não dava destaque ao vocalista, como era comum até então. Quer dizer, a estratégia era formar grupos musicais, cujos membros pudessem ser substituídos sem qualquer prejuízo para a festa.

Como grupos de mercado e não grupos artísticos, as bandas da SomZoom são na verdade marcas musicais direcionadas ao entretenimento. Não interessa quem é o cantor nem quem são os músicos, o que conta é vender diversão.

A música é um produto igual a uma geladeira, igual a televisão, igual a qualquer negócio. Quando você roda uma música no Faustão, na televisão, numa rádio, você está fazendo um comercial de um produto. Porque da música vem o CD, vem o direito autoral, vem a festa, vem o comercial, vem o cachê, movimenta-se uma quantidade absurda de valores, gerada por uma música. (Entrevista Emanoel Gurgel, 2007)[3]

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O marketing intuitivo de Emanoel Gurgel inovou no mercado fonográfico quando as bandas da SomZoom passaram a mencionar seus próprios nomes no meio das faixas dos discos e durante as apresentações em shows: “É o forró Mastruz-com-Leite”. A identificação dos nomes das bandas dentro das músicas foi o jeito que ele encontrou para popularizar suas marcas, já que os comunicadores do rádio não costumam dar os créditos dos compositores e dos intérpretes.

Antes de montar o próprio negócio, tendo a música como produto, Gurgel, que era dono de uma fábrica de confecções e atuava como juiz de futebol, tentara convencer a Black Banda, grupo para a qual fazia as vezes de empresário, de que o modelo em que eles atuavam não teria sustentação comercial.

Visionário, ele conta que já percebia a importância de bancar a festa como o grande negócio. Enquanto as bandas faziam shows só em troca de cachê, ele queria uma participação maior, tencionava entrar com a banda e conseguir parceiros que entrassem com a estrutura de mídia, para no final dividir a bilheteria meio a meio. O Empresário já tinha alguma experiência com organização de festas com grande retorno comercial e percebia o potencial desse filão.

Em 1992, a FM 93 teve prestes a perder o 1º lugar, então propus ao Will Nogueira, que a gente fizesse transmissão ao vivo diretamente dos forrós e foi um grande sucesso. Começou de graça e depois o ingresso da festa era uma embalagem do Café Santa Clara, que na época estava chegando no mercado. O sucesso foi tão grande que eu tinha um funcionário só para juntar embalagem de café. (Entrevista Emanoel Gurgel, 2007)

Depois da consolidação da Mastruz-com-Leite em Fortaleza, Gurgel partiu para ampliar o mercado, ocupando as praças dos estados vizinhos. Ele conta que o primeiro show que fez fora da Capital cearense, onde a banda já era sucesso, a bilheteria registrou apenas 49 pagantes. Para ele, o fracasso da bilheteria no Recife foi recebido como um sinal de que era preciso ter uma estrutura que tocasse forró o ano todo e em todo lugar. Assim, nasceu a rede SomZoom Sat, da qual falaremos mais adiante.

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Razões da gravadora

Reportagem da revista Exame, publicada na edição de 22 de março de 2000, revela que em 1999, a gravadora SomZoom vendeu 2,5 milhões de CDs. Gurgel confirma que chegou a ter 8% do mercado brasileiro de venda de CDs, mas que hoje nem aparece nos índices de participação de mercado. Diz, com orgulho saudoso, que todas as multinacionais do disco o procuraram para comprar a sua empresa. Isso, antes de a pirataria tomar conta do mercado, espalhando CDs a baixo custo pelas feiras populares do Brasil. Ele declara que, de 1999 a 2006, perdeu muito dinheiro com a pirataria e a falsificação e que, praticamente, teve que começar tudo de novo.

A SomZoom chegou a fazer até 3 CDs por ano da Mastruz-com-Leite. Era a forma encontrada para neutralizar as ações de falsificação. Gurgel explica que os chineses levavam cerca de quatro meses para pegar um disco no Brasil, levar para falsificar na China e trazer de volta para comercializar nas diversas regiões brasileiras.

Com essa estratégia, ele neutralizava o efeito da falsificação, pois, no momento em que o disco falsificado chegava ao mercado, ele já estava fazendo o marketing de um novo produto. Além de muito cara, a mesma estratégia não serviu para evitar os efeitos da pirataria, que é interna e muito mais ágil, pelo fato de, ao contrário da falsificação, não necessitar de reprodução do material de capa e encarte. “Os chineses copiavam até o código de barras”, reclama.

O primeiro trabalho fonográfico da Mastruz-com-Leite foi lançado pela Continental, mas, segundo Gurgel, a gravadora não cumpriu o que havia sido acordado. Então, ele resolveu montar estrutura própria para editar, gravar e distribuir os trabalhos da Banda.

Ao longo de 15 anos foram 39 discos gravados. Com o sucesso da música “Meu vaqueiro, meu peão”, o empresário conta que pagou o investimento de cerca de US$ 150 mil que havia feito para montar um moderno estúdio de gravação.

Com a popularização e o sucesso comercial da Mastruz-com-Leite, novas bandas foram criadas, seguindo sempre o mesmo modelo. Assim nasceu Mel-com-Terra, Rabo-de-Saia, Cavalo- de-Pau, Catuaba-com-Amendoim e outras tantas, ao ponto da SomZoom chegar a ter onze bandas em seu portfólio.

A pirataria, segundo Emanoel Gurgel, foi responsável pela redução na produção dos CDs das bandas do grupo SomZoom. Na verdade, esse

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fenômeno teve grandes repercussões em todas as gravadoras, não só no Brasil, mas também em todo o mundo. O estímulo massivo ao consumo da música comercial encontrou, nas altas margens de lucro, praticadas no mercado fonográfico pelas multinacionais do disco, uma barreira para a maioria das pessoas que se motivaram a adquirir CDs e DVDs nas lojas de disco. Essa demanda reprimida contou com as facilidades dos recursos tecnológicos para gravações caseiras, criando, assim, excelente oportunidade para o surgimento da pirataria e da falsificação.

A venda ilegal de produtos musicais já assustava, quando, em 1997, de cada 19 fitas cassetes vendidas no Brasil, só uma era fabricada legalmente.[4] O que começou com as fitas cassetes, rapidamente, chegou ao CD e, em 1998, o Brasil era o sexto maior mercado do mundo em pirataria, com vendas calculadas em U$ 1,4 bilhão.

Na página eletrônica da Associação Brasileira de Produtores de Discos, ABPD, grupo que reúne as maiores gravadoras com atuação no País, os dados sobre o comércio ilegal de CDs são alarmantes. De acordo com levantamento, publicado nessa página, pela Associação Protetora dos Direitos Intelectuais Fonográficos, em 2005, no período de janeiro a dezembro, “mais de 31 milhões de unidades de CDs ilegais foram apreendidos no país, entre gravados e virgens”.[5]

Mais do que com a ação da pirataria e das falsificações, o mercado da música passou a contar com o fenômeno da disponibilização de fonogramas em arquivos MP3. Pesquisa feita pela ABPD no primeiro semestre de 2006 com 1.209 pessoas, em  dez regiões metropolitanas do Brasil- São Paulo, Rio de Janeiro, Ribeirão Preto, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Salvador, Fortaleza, Recife e Brasília-, “revelou que 8,2% da população pesquisada, baixaram música na internet no ano de 2005, contabilizando quase 1,1 bilhão de canções sendo baixadas da rede mundial de computadores”.[6]

O perfil dos internautas também é apresentado pela pesquisa. A maioria é jovem, tem entre 15 e 34 anos e tem ensino superior completo ou colegial completo/superior incompleto.

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“A indústria fonográfica está morta”, sentencia o crítico de música, João Marcos Coelho, em artigo publicado no dia 27/5/2007 no O Estado de São Paulo. Segundo ele, a tecnologia e a internet são responsáveis pelo fim do ciclo da música gravada e “não há nada que se possa fazer sobre isso”, conclui.

Emanoel Gurgel também pensa assim e hoje a venda de CD não é mais o que impulsiona os negócios da SomZoom. “O CD hoje é cartão de visita. A Mastruz está lançando o Arrocha o Nó II. São 100 mil cópias, dessas, 50 mil são para dar para as pessoas”, explica. As mudanças no mercado fonográfico fizeram com que o CD, que já foi a principal fonte de ganho da SomZoom, passasse a servir basicamente de peça promocional da empresa.

Quanto mais músicas eu espalhar, mais tenho como levar as pessoas para dançar os sucessos na festa. A festa é o negócio. Descobri isso há 15 anos. O segredo pra mim é não ter intermediário, eu banco tudo, da gravação, ao show. (Entrevista Emanoel Gurgel, 2007)

Em 1999, quando o Public Enemy, grupo de rap norte-americano conhecido pela postura agressiva com relação às gravadoras, disponibilizou de graça para os fãs uma faixa, em MP3, do novo álbum que estava lançando. Ninguém imaginaria que essa seria uma prática corriqueira de muitos grupos musicais. Na época, o grupo rompeu um contrato de quinze anos com a gravadora e lançou o novo trabalho pela internet e só meses depois o CD chegava às lojas.

A Somzoom tem adotado essa prática. O CD Arrocha o Nó II, do Mastruz-com-Leite, está integralmente disponível para download no endereço www.mastruz.com.br.[7] A disponibilização das músicas para serem baixadas e copiadas sem custo segue a mesma lógica do uso promocional do CD; ou seja, quanto mais houver pessoas conhecendo as músicas da banda, mais aumenta o potencial de freqüentadores das festas por ela animadas. Além de trabalhar com casas noturnas de terceiros, o Empresário possui três casas próprias, a Casa do Forró, o Parque do Vaqueiro e a Fazenda Mastruz-com-Leite, onde promove circuitos de vaquejada.

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Editora da casa

A Editora Passaré tem atualmente 11.500 músicas editadas. Dessas, a maioria e os maiores sucessos são dos compositores cearenses Rita de Cássia e Luís Fidélis, que cresceram junto com a SomZoom e suas bandas.

A opção por ter uma estrutura própria para editar as músicas gravadas pelas bandas nasceu da necessidade de ficar independente dos crivos estéticos para liberação de gravação e do valor cobrado pelas editoras. Segundo Gurgel, muitas editoras não liberavam as músicas para serem gravadas em ritmo de forró, por mero preconceito. Para ele, a qualidade artística não interessa, o que vale no mercado é o produto ser bom ou não para fazer sucesso.

No começo, os sucessos das bandas foram as regravações de músicas conhecidas. Assim, Mastruz-com-Leite gravou músicas sertanejas em ritmo de forró, Teixeirinha, Roberto Carlos e gravou os clássicos da música nordestina, como Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga.

Gurgel explica haver percebido que, gravando “música inédita, era muito mais forte do que gravar sucesso dos outros”. Sendo o dono do repertório das bandas, ele poderia fazer o que quisesse com as músicas. Embora já tendo passado a administração dos negócios para os filhos, ainda hoje ele é o responsável pela escolha do repertório das bandas.

Não sei tocar uma nota musical, só sei dizer se dá certo ou não dá certo. Eu escolho música de um meio lógico, pegando um tema que serve pra todo mundo, digamos, universal. Porque só existem dois tipos de música, a que dá no pé e a que dá no coração. Por exemplo, música que fale em primeiro beijo, dá pra mim, dá pra você, dá pra veado, sapatão, velho, dá pra todo mundo.( Entrevista Emanoel Gurgel, 2007)

O atual sucesso da Mastruz-com-Leite, Bomba de Cabaré (Dada di Moreno/Maninho Santana), foi escolhido pelo próprio Empresário. “Eu estava aqui na fazenda, ia visitar uma irrigação, e o cara estava aqui comigo, cantou um pedacinho e eu disse: esse é boa, pode gravar. Essa as mulheres vão gostar por causa dos maridos e os veados também porque vai diminuir a concorrência”, conta ele, rindo.

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A estratégia usada por Emanoel Gurgel é conhecida no mundo dos negócios, com “a lógica das emoções”, conceito bem recente desenvolvido por Clotaire Rapaille, mestre em Psicologia e doutor em Antropologia Médica. O Especialista francês desenvolveu uma técnica para pesquisa de mercado com suporte na sua atuação nas áreas de Psiquiatria, Psicologia e Antropologia Cultural.

Em entrevista a revista SuperVarejo (abril/2007), o Especialista explica que o cérebro registra marcas e impressões inconscientes que serão utilizadas para o resto da vida e que essas “impressões não existem sem emoção. Sem emoção, não há produção de neurotransmissores, portanto, não há memória”, anota. O Pesquisador esclarece ainda que o código que possibilita acesso a esse sistema de referência do cérebro é a cultura. “A cultura não é somente a linguagem, mas as estruturas de aprendizagem na escola, nos supermercados, no cinema”, explica.

O pensamento de Rapaille aplica-se bem na prática empresarial intuitiva de Emanoel Gurgel, considerando-se que ele trabalha com o produto música e com o serviço festa, menos por ser um conhecedor de qualquer modelo de excelência em gestão desse mercado e mais por ter no seu gosto pela dança, como diversão, um ponto de relevância cultural determinante em sua vida.

 

Via satélite e com toque local

A criação de uma rede de rádio via satélite foi outra inovação do grupo SomZoom. O Nordeste, tradicionalmente, pólo de recepção dos conteúdos gerados pelas redes de rádio e televisão estabelecidas no Sudeste do País, passou a produzir e gerar programação musical 24 horas para praticamente todas as regiões brasileiras, com exceção apenas dos estados do Sul.

Todo o dinheiro ganho com a venda de CD era investido na SomZoom Sat em busca de mais emissoras. Em 1997, chegamos a possuir 71 afiliadas no Brasil só tocando forró. Hoje são 51, mas cada afiliada tem que ter cinco ou seis horas de programação local.( Entrevista Emanoel Gurgel, 2007)

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Gurgel diz que respeitar as peculiaridades de cada região é a melhor maneira de ser aceito nos mais diversos locais. Lembra que as pessoas de um lugar se interessam pelo que vem de fora, mas querem saber o que está acontecendo à sua volta. Ele não cobra nada para que as emissoras retransmitam a programação da SomZoom.

Segundo o Empresário, essas emissoras são parceiras nos shows das bandas e a opção pela programação em rede, muitas vezes, é uma maneira de baratear os custos das rádios. A parceria com as emissoras locais é feita principalmente para a realização de festas, dentro da visão de ganha-ganha. Ele entra com a banda e a emissora com a divulgação do evento e, no final, depois de tirarem todas as despesas, dividem a bilheteria em valores iguais para os dois.

A SomZoom Sat foi montada para tocar forró o ano todo e acabar com uma figura muito conhecida no meio musical chamada jabá. Eu deixava aparelho de televisão para a rádio fazer promoção, para tocar as bandas da SomZoom, mas o retorno era duvidoso, porque o jabá ia para o dono da rádio e o radialista não tocava a música combinada.( Entrevista Emanoel Gurgel, 2007)

Da programação oferecida pela rede, o carro-chefe é o programa Só forró, de segunda à sexta, de 16h às 19h. Além desses horários, as emissoras afiliadas optam com freqüência pela transmissão da meia-noite às seis da manhã. Em Fortaleza, onde está sua sede, a SomZoom transmite pela 90.7 FM.

A estratégia adotada pela SomZoom Sat é analisada por Lima sob a perspectiva do “contra-fluxo” e apontada como uma experiência de mídia local com inserção regional e nacional.

A Rede SomZoom faz parte das novas tecnologias aplicada à mídia, além claramente, do processo de globalização que vai determinar o “contra-fluxo” de um grupo de mídia regional, enquanto negócio econômico e também cultural. (…) A emissora, além da proposta de uma identidade tipicamente nordestina – ressaltando em sua programação a cultura segmentada e industrial do Nordeste, através do forró, – também aponta para

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o cenário nacional, mas carregando uma programação tipicamente regional. No Brasil, não há condições de grupos regionais virem a apresentar uma dimensão nacional, enquanto formato, conteúdo, aceitação, distribuição. Grupos regionais possuem alcance nacional, enquanto presença física em algumas partes do território, mas buscam comunidades específicas que os identifiquem. (…) Neste ponto, o rádio é o meio através do qual o empresário Emanoel Gurgel promove seus negócios: venda de discos, promoção de shows, produção. (LIMA, 2005: 4/8)

Além dessa perspectiva, podemos compreender a experiência da transmissão de músicas e programas radiofônicos com origem em uma matriz situada no Nordeste para outros estados brasileiros, como tentativa de estabelecer vínculos com as populações migrantes.

Como é sabido, por motivos econômicos e sociais, o povo nordestino viveu uma diáspora ao longo dos séculos XIX e XX e há levas de nordestinos espalhados por todo o País, especialmente no Acre, em Brasília e no eixo Rio de Janeiro-São Paulo.

Para Thompson (1998), as crenças e tradições acompanham as populações que se deslocam do seu lugar de origem. E, segundo ele, cabe à mídia o papel de reconectar as tradições e os grupos de migrantes.

A mídia fornece os meios de sustentar a continuidade cultural, apesar do deslocamento espacial, e de renovar a tradição em novos e diversos contextos através da apropriação das formas simbólicas mediadas. Por isso os meios de comunicação desempenham um papel importante na manutenção e no renovamento da tradição entre os migrantes  e os grupos deslocados. (THOMPSON, 1998:178)

Por esse ângulo, a experiência da Rede SomZoom pode ser encarada como esse meio de religação com os nordestinos que vivem fora da sua terra natal. Como explicitou Gurgel, ao focar na apresentação musical, o seu espaço principal de negócios, o rádio passa a ser um instrumento de mediação do público com os elementos da diversão nordestina, transmitidos sob o “guarda-chuva” da linguagem musical.

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No entendimento do pesquisador Expedito Leandro Silva para compreender a expansão do forró Brasil afora, é preciso relacionar a música com a questão do fluxo migratório dos nordestinos para o centro-sul do País.

Para compreendermos o forró, é necessário procurar entender o migrante e seu imaginário, bem como a sua relação com a cidade grande e as pessoas que moram nela, sua busca de identidade. O forró é música urbana, mas de origem rural, e funciona como uma ponte conectando culturas e gostos ecléticos distintos. Foi a cidade do Rio de Janeiro que abrigou pela primeira vez o xaxado e o baião. Mas com o tempo é a Grande São Paulo que se consagra como “grande pólo” do forró e da música nordestina fora do Nordeste.(SILVA, 2003:76)

Fazendo uma aproximação entre o universo musical de Luiz Gonzaga, que teve no rádio o seu principal divulgador, e as bandas de forró da atualidade, Honório e Chaves elegem o rádio como lugar de consolidação de uma nova identidade para o nordestino.

O rádio contribuiu para que houvesse o surgimento e a consolidação de uma nova cultura, um espaço propício para a construção de uma linguagem onde se entrecruzam o tradicional e o moderno, carregada de significações. (SILVA e HONÓRIO, 2004:7)

É inegável a força do rádio na comunicação com os mais variados estilos de públicos. Desde a sua consolidação no Brasil nos anos 1940 como mídia massiva, o rádio permanece como veículo estratégico. Sabe aproveitar a relação com as novas tecnologias e consolida a sua forte característica de mídia regional.

Em Fortaleza, por exemplo, a audiência de rádio aumentou e a Capital cearense se mantém como a terceira maior audiência proporcional de rádio no Brasil. Dados do Ibope[8] apontam que, no pico de audiência do rádio entre 9h e 10h, Fortaleza alcança o maior índice do País, com 43% da população ligada a esse meio de comunicação.

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Uma informação relevante para as reflexões procedidas feitas ao longo desse trabalho diz respeito ao crescimento, em Fortaleza, da audiência das emissoras de rádio associadas ao “gênero” musical forró.

Nos últimos anos, assim como a SomZoom Sat, muitas rádios estão diretamente associadas ao mercado musical das bandas de forró, como a Tropical FM e a Liderança FM, em cuja programação predomina a divulgação das músicas de forró, muitas vezes, transmitindo os programas diretamente das casas de shows onde acontecem as apresentações das bandas.

Segundo dados do Ibope/Easy Media 3, de março de 2007, as rádios classificadas como do segmento popular respondem juntas por 69% da participação de mercado das emissoras de Fortaleza, onde estão incluídas as rádios alinhadas à divulgação do forró, como a SomZoom (90,7 FM). Só para termos um elemento de comparação, as rádios religiosas, segundo lugar em termos de participação, respondem por 13% da preferência, seguidas pelos segmentos jovem, 11% e adulto, 6%.

 

Considerações finais

A SomZoom é uma experiência de negócio ancorada na música, que tem em sua trajetória a valorização da intuição, da inovação e do senso de oportunidade. Emanoel Gurgel montou o seu grupo empresarial inspirado na sua diversão, que é gostar de dançar, independentemente da qualidade artística da música executada. Em quinze anos de atividades, considerando a criação da banda Mastruz-com-Leite como o marco inicial do seu sucesso, ele comandou a empresa, acreditando que nem tudo pode ser dito pelas pesquisas e pelos planejamentos estratégicos.

A gestão dos seus negócios é baseada na adaptabilidade das evidências. Cada passo da montagem da indústria do forró no Brasil puxou o seguinte, até chegar ao foco atual da empresa, que é ganhar dinheiro com festa. Gurgel tem em suas mãos todos os elos da cadeia produtiva da música; não para cuidar de música, mas para poder monitorar e garantir a geração de valor em todo o processo que culmina com a realização da festa.

Depois de sofrer os efeitos da pirataria e da falsificação no mercado fonográfico, migrou para o conceito de que as bandas são marcas de a diversão e passou a investir, normalmente em parceria com emissoras

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de rádio, para conquistar a fidelidade dos consumidores dos produtos (CDs/DVDs) e serviços (festas) de suas bandas. Pela imagem que produziu nos últimos quinze anos, a banda Mastruz-com-Leite se tornou um produto de grandes eventos públicos. Gurgel encerra a sua argumentação a respeito dessa dimensão atingida por sua banda mais famosa, relatando que, na festa de 150 anos da forrozeira cidade de Caruaru, entre as bandas contratadas para arrebanhar uma multidão de pessoas, estava a Mastruz-com-Leite. “Um grande forró tem que ter Mastruz-com- Leite”, proclama envaidecido.

 

Referências Bibliográficas

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MORAIS, Jomar. Forró Milionário. Exame, São Paulo, n 286, edição de 22/03/2000.

NEGROMONTE, Marcelo. MP3: a indústria contra-ataca. Folha de São Paulo, São Paulo, 18 março 1999, Ilustrada, p.1.

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THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Tradução de Wagner de Oliveira Brandão. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1998.

 

 


[1]     Jornalista, Mestre em Educação Brasileira (UFC) e professora do Curso de Comunicação Social da Universidade de Fortaleza.

[2]     Jornalista, articulista semanal do Diário do Nordeste e compositor.

[3]     Entrevista realizada no dia 26 de maio de 2007

[4]     Dados publicados na Folha de São de Paulo em 04/02/1998

[5]     Informação obtida na página www.abpd.org.br, acesso no dia 29 de maio de 2007

[6]     Idem

[7]     Acesso no dia 29 de maio de 2007

[8]     Informação disponível no folder feito pela Associação Cearense de Emissoras de Rádio e Televisão, ACERT, em 2005 com base em pesquisa realizada pelo IBOPE