Torcer também é aprender

Freqüentar o estádio com os filhos e vibrar com o time faz parte do que o jornalista, escritor e compositor Flávio Paiva chama de coeducação desportiva. Para ele, a interação com o futebol estimula a imaginação e a criatividade das crianças.

Texto Rosanne Quezado
Fotos: Daniel Garcia e Lucas Paiva

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FAC-SÍMILE

Contar histórias para crianças não é para qualquer um. Embora não pareça à primeira vista, a exigência do leitor infantil é bastante aguçada. E levando-se em conta que o mundo dos jogos eletrônicos e das informações em tempo real e global ampliou a capacidade de acesso dos pequenos nascidos na era eletrônica aos mais variados conteúdos, o “Era uma vez…” precisou ser aprimorado e até reinventado para continuar sendo o grande condutor do sono e dos sonhos infantis.

Talvez por isso, o jornalista Flávio Paiva, que já trafegava com facilidade no mundo das letras e das músicas para adultos, tenha esperado o nascimento dos dois filhos para descobrir a sua veia de contador e cantador de histórias para crianças.

O despertar aconteceu quando ele quis repartir com os filhos Lucas e Artur, hoje com 12 e 10 anos, as experiências de sua infância rica em atividades lúdicas. E não foram poucas. Nascido em Independência, nos sertões dos Inhamuns, utilizou-se de todos os recursos de que dispunha para tornar a infância uma das mais belas e inesquecíveis fases da sua vida.

“Todas as brincadeiras foram importantes para mim. Banho de chuva, as brincadeiras de mocinhos e bandidos, os jogos de caçada, carrinho de rolimã, barquinhos de papel, carros de lata, e tantas outras. Mesmo nas atividades em que eu ajudava os meus pais, como cortar toucinho, moer milho, mexer panela de doce e pastorear ovelhas, eu me divertia muito. Acho que com isso aprendi a fazer tantas coisas agradáveis e a gostar das coisas que faço”, conta Flávio.

Jogar futebol foi uma das brincadeiras favoritas dele. Na infância, além de jogar, ouvia os jogos do Ceará pelo rádio e gostava de colar cartazes do time na parede do quarto. Para ele, o futebol manifesta-se com jeito próprio entre encantos e desencantos vindos desde as mais puras fantasias de nossas infâncias. Lembra que é difícil um menino não sonhar em ser jogador, nem se ver realizando os lances mais espetaculares. Por isso, procura valorizar tanto o direito da meninada à experiência de torcer, de ter ídolos e de partilhar sentimentos comuns dentro e fora da arena de esportes.

“Torcer é como andar de bicicleta: quem aprende nunca esquece. O exercício de torcer possibilita diferentes modos de ver, pensar, sentir e dizer o mundo”.

 

No papel e no disco

Flávio Paiva criou histórias e personagens que encantaram os filhos e, mais tarde, viraram músicas e livros, alcançando um número grande de outras crianças e até adultos que reviveram suas lembranças. Flor de Maravilha, Benedito Bacurau, A Festa do Saci, Titico achou um anzol, Fortaleza e A casa do meu melhor amigo, são algumas de suas obras, editadas pela Cortez Editora, de São Paulo, que se tornaram referência de literatura e música de qualidade produzida no Brasil.

 

O ouvido infantil provou e aprovou as histórias cantadas no CD Samba-le-lê e no Bamba-la-lão. E aí, vieram os livros, seis ao todo, incluindo A casa do meu melhor amigo, o mais novo livro/cd infanto-juvenil do autor, que traz na combinação de literatura com a música uma metáfora sobre a descoberta da amizade entre diferentes.

Brincadeiras atemporais

Embora tenha como referência as suas brincadeiras de garoto, Flávio não imprime traços de saudosismo em sua escrita e faz questão de dizer que as suas histórias não se prendem às brincadeiras de ontem. Na troca de experiência com os filhos, ele passou a apreciar inclusive parte do mundo dos jogos eletrônicos que, à sua maneira, podem ser experiências lúdicas e cultivam a fantasia.

“Procuro não fazer muito essa separação entre brincadeiras do passado e brincadeiras do presente. Para mim, brincadeira é brincadeira. Em qualquer lugar, com brinquedo ou não, o que vale é que seja espontânea e permita experiências do corpo e da mente”, afirma.

Para ele, a cultura da infância é atemporal e sem fronteiras territoriais. “O lúdico não é do passado, mas de qualquer época, por ser um atributo do humano, adulto ou criança. Assim, as atividades lúdicas que aparecem em meus trabalhos não têm esse caráter de resgate, elas são vivas em minha memória e na vivência com os meus filhos. Se convido meus filhos para jogar peteleco com castanha de caju, eles precisam estar tão convencidos de que vai ser bacana como quando eles me convidam para brincar de gogo’s. O fato de ser uma brincadeira que eu brincava na minha infância deve ser colocado como curiosidade adicional à diversão”, diz.

Da mesma forma que ocorre pelas brincadeiras infantis a aproximação de pais e filhos, do adulto e da criança, se dá também pelo sentido lúdico que há no esporte. Flávio Paiva relata que quando vai ao estádio ou mesmo em casa, pela televisão, quando o Ceará joga fora, a troca de passes com os filhos dá a eles um tempo presente, mesmo que um se projete no futuro e o outro se traga do passado, na emoção de torcer. “Cada lance é um lance, cada vibração uma vibração, um olhar, um gesto, uma identidade que se pronuncia”, acrescenta.

 

Vozão em família

O principal ídolo da torcida alvinegra na casa de Flávio é o Osvaldo. Todos gostam da habilidade do atleta com seus dribles desconcertantes. “Quando o Osvaldo pega na bola os nossos olhos brilham, sabemos que ele vai partir para cima do adversário com o gosto e a confiança dos craques”, comenta o escritor. Para Flávio Paiva torcer é como andar de bicicleta; quem aprende nunca esquece. Na condição de autor reconhecido nacionalmente pelo seu trabalho de literatura e música infantil e juvenil e por suas preocupações e ativismo em favor da infância, ele diz que o exercício de torcer possibilita diferentes modos de ver, pensar, sentir e dizer do mundo.

Diante da onda antigeracional que faz com que muitos jovens desprezem os mais velhos, Flávio Paiva vê no mascote do Vovô, uma figura de grande importância na atualidade, por aproximar as pessoas pelo coração alvinegro, independentemente de idade. A idéia de valorização de quem tem mais experiência, de quem tem mais maturidade, de que ter nascido há muito tempo é positiva, vai, na opinião do jornalista, ganhar mais força ainda com a comemoração do centenário de fundação do Ceará em 2014.