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O jornalista, escritor e compositor Flávio Paiva diz por que se sentemaravilhado pela diversidade da cultura brasileira

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FAC-SÍMILE

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CAPA

Atuante em várias áreas de pensamento e expressão, Flávio Paiva é conhecido no Ceará pela multiplicidade pulsante. Livros, discos, artigos em jornais e participação em ações culturais e de cidadania marcam a carreira desse jornalista nascido em Independência, interior do Ceará, casado e pai de dois filhos. Em um bate-papo com a revista Informatudo, Paiva fala de suas inquietações, revela as fontes de inspiração, relembra sua infância, reflete sobre cultura e o Brasil. Confira os principais trechos da entrevista na página ao lado.


Você tem múltiplas atuações na música, na literatura, na política e no jornalismo cearense. A que você atribui essa variedade de ações?

Eu costumo dizer que lá onde eu nasci as pessoas durante o dia trabalhavam no campo e de noite tocavam viola, e não era para ser artista. Eu guardo isso comigo. São coisas que eu não consigo não fazer, fazem parte da minha maneira de ser. Então, se a melhor forma de falar uma determinada coisa é através da música, ou através da literatura ou de um texto jornalístico a tendência, é você fazer no meio que está exprimindo melhor naquele momento. Por exemplo, para os meus filhos, quando eles nasceram, produzi discos. Não tinha coisa melhor para eu oferecer a eles do que uma música. A música tem uma força vital muito grande. É difícil encontrar uma forma que vá superar a emoção de uma melodia. Nós somos seres múltiplos. A “departamentalização” da vida quem inventou foi a sociedade, quando inventou as normas. A especialização é um tipo de foco que às vezes nos ajuda na profissão, mas para viver temos que ser múltiplos. Então, me expresso da forma mais multifacetada que você pode imaginar. Porque estou respeitando esse lado múltiplo do ser humano que nós temos e somos. 

Como você concilia essas múltiplas atividades com a vida pessoal e o que faz um projeto tornar-se prioridade na sua vida?

É natural que exista um conflito. Eu divido a minha vida em três núcleos. O núcleo afetivo, comunitário e profissional. O meu único cuidado é para que nenhum fique maior que o outro. A minha vida profissional tem limites. Eu poderia ser um profissional de muito mais sucesso se eu pudesse destinar à profissão o espaço que está destinado a minha vida afetiva. E a mesma coisa ao contrário. Então, eu não vivo em conflito por conta dessa multiplicidade porque tenho esse espaço de reflexão. Tento administrar para que nenhuma dessas zonas invada a outra de forma muito agressiva. E isso tem gerado um equilíbrio dinâmico que me dá uma certa tranqüilidade.

Você veio de Independência para Fortaleza, aos 17 anos. Naquele momento, você já tinha traçado um plano de vida, de projetos profissionais e pessoais?

Lá na minha infância eu fiz um acordo com o meu pai. Eu era responsável por algumas tarefas domésticas, como pastorar ovelhas ou mexer as panelas de doces da minha mãe. Se eu cumprisse minhas tarefas eu poderia ir jogar futebol. Eu era responsável pelo time que viajava por toda a região. O futebol era parceiro do grupo de teatro. Eu tinha uma banda cover do Secos e Molhados. Eu não tinha a compreensão que eu tenho hoje do modelo, mas eu tinha a intuição de que a melhor forma de conduzir essas coisas seria encontrando esses pontos de equilíbrio. Não pensava em vida profissional porque eu era um garoto. Eu não sabia o que era um jornalista. 

Qual memória você traz de Independência? De que modo sua infância no sertão cearense lhe trouxe elementos para suas produções?

Meu avô tinha uma venda e frente à feira que funcionava dia de domingo. Eu convivia com os cordelistas e repentistas. Elas iam beber cachaça e eu escutava a conversa; ficava fascinado. A antropologia do meu texto eu diria que seria o cordel. Eu trabalho muitoo com colagem de imagens. Eu nunca encontrei outras referências para essa minha característica. Quando eu comecei com esse tipo de trabalho, eu recuperei alguma coisa da minha infância que eu gosto de manter e com a convivência com os meninos isso vai somando. Também busquei as imagens que tinha de como foi a infância do meu pai e da minha mãe. É um embolado tão grande que às vezes é até difícil você distinguir onde começa uma e onde termina outra inspiração.

Seu “Flor de Maravilha” foi finalista do Prêmio Jabuti como obra didática. Você pensa nos efeitos didáticos quando está produzindo?

Quando fiz a primeira versão do Flor de Maravilha, tive uma intenção didática-pedagógica. Eu fui cobrado, na realidade. As pessoas do Rio Grande do Sul pegavam um dos meus discos infantis (Samba-le-lê e o Bamba-la-lão) e não entendiam porque dia de chuva aqui no Ceará era dia de festa. Então, eu me senti um pouco compelido a fazer alguns textos que mostrassem a minha ótica, enquanto autor, sobre como as músicas deveriam ser ouvidas. Se isso for uma intenção didática, então eu a tive. 

Em seus artigos na imprensa, você costuma dedicar muitas reflexões à cultura. É possível apontar traços distintivos e ao mesmo tempo buscar aproximações, um diálogo com a cultura brasileira e a nordestina?

Eu me lembro quando o Chico César ganhou o prêmio Sharp de Música na categoria regional e ele concedeu uma entrevista onde afirmou ser tão regional quando a Fernanda Abreu, só que ela é regional do Rio de Janeiro. O que eu quero fizer é que ambos são brasileiros, tanto Chico César quanto Fernanda Abreu. A cultura cearense e nordestina sofrem uma dificuldade de interpretação pelas pessoas que escrevem sobre cultura no país, que geralmente estão no eixo Rio-São Paulo. Essa ausência de informação compromete o entedimento do que é produzido aqui no Nordeste, no Amazonas. Há uma distorção muito grande e as coisas produzidas no Brasil tendem a ser apartadas. Eu me maravilho com a diversidade brasileira. Há coisas que só podem ser de determinado jeito porque são feitas no Brasil. Mas as pessoas que escrevem sobre cultura deformam. Nós estamos nos devendo uma compreensão da brasilidade em sua extensão.