Em busca das perguntas esquecidas

Inconformado com um tempo no qual a existência de respostas em abundância praticamente dispensa a necessidade de perguntas, o jornalista, escritor e compositor cearense Flávio Paiva lança o inquietante Código Aberto – Autobiografia Colaborativa (Cortez Editora), com respostas a provocações feitas por artistas, intelectuais, filósofos, sociólogos, psicólogos, psicanalistas, jornalistas, cineastas, poetas, empresários, religiosos, brincantes, educadores, escritores e fotógrafos.

Entre os nomes que fizeram as perguntas geradoras do Código Aberto, estão Adriana Calcanhotto, Adriano Espínola, Alice Ruiz, Ana Lúcia Villela, Antônio Nóbrega, Bené Fonteles, Bia Bedran, Chico César, Diatahy Bezerra de Menezes, Dora Andrade, Eliana Cardoso, Ermengarda Santana, Falcão, Gilmar de Carvalho, Isabel Lustosa, Jackson Araújo, Luciana Dummar, Maurício Kubrusly, Mino, Nirez, Patrícia Auerbach, Pedrinho Guareschi, Rafael Martins, Rudá K. Andrade e Tom Zé.  Ao todo são 60 perguntas, elaboradas por pessoas com posicionamentos próprios, que Flávio Paiva responde sob forma de miniensaios reveladores do seu código existencial neste ano de 2019 quando o autor completa 60 anos de idade, com 25 livros publicados e mais de uma centena de músicas gravadas como ilustrações musicais da sua obra literária.

Movido por uma vontade de falar e, ao mesmo tempo, por dúvidas sobre o quê, Flávio Paiva mergulhou por seis meses em um mundo solitário com cada uma das 60 perguntas, retornando com reflexões e relatos contundentes saídos do fundo do espaço interior como lugar da experiência vivida, tornando o Código Aberto um livro provocante, por ser um exercício de posicionamentos livres em um tempo em que o acirramento de conflitos políticos e existenciais compromete a diversidade de pensamento, e porque nasce da busca por perguntas, e não por respostas.

A Autobiografia Colaborativa de Flávio Paiva desacomoda quando, por exemplo, propõe que o craqueamento da mestiçagem tem sido um dos maiores estragos causados à cultura brasileira. Diante das vulnerabilidades sociais e ambientais da atual conjuntura, o autor propõe conceitos como o de Realidade Suplementar (como definição de zona adicional de comportamento voltado para o combate às causas das desigualdades) e de Cidadania Orgânica (como taxonomia para a atuação das pessoas na cena pública, e das vozes no sistema político, tendo como ponto de catálise o entendimento dos problemas das partes como decorrência da dinâmica do todo).

Em seu Código Aberto, Flávio Paiva atribui, como entraves à redução das desigualdades sociais, o que chama de sistema mercenário de executivos inorgânicos, criador de uma nova mais-valia; o uso de apelos legítimos da agenda social, mas desintegrados do bem comum; e o equívoco da agressividade nas estratégias de contraviolência. Para ele, a bandeira da resistência é insuficiente diante da chegada da ultradireita ao poder pelo voto, ascensão facilitada pelo extravio da identidade da esquerda no país. A desconcentração de renda e de riqueza, a valorização da infância e um processo de educação pela escuta, segundo o autor, têm como premissa revolucionária o reestabelecimento da esperança.

Nas páginas desse livro cheio de originalidades, o leitor encontrará relatos e reflexões inspirados no que foi feito, e não sobre hipóteses. Embora realçando pontos de atenção críticos no atual vazio de significados, essa é uma obra substanciada pela leveza com que o autor fala da amizade como uma boa fortuna, do desejo feminino como uma linguagem que precisa ser mais bem potencializada, do passar dos anos além da domesticação do tempo, e da admiração pelo outro como uma das dez principais virtudes a serem urgentemente cultivadas. Em uma sociedade marcada por respostas prontas, Flávio Paiva convida a pensar que é naquilo que procuramos que está o sentido de para onde vamos.

 

Trilha sonora da narrativa

O processo criativo de Flávio Paiva é marcado pela combinação de literatura e música. Na produção de Código Aberto não foi diferente. Em parceria com o filho Artur Paiva ele compôs uma canção que remete a sonoridades arquetípicas de lealdade e amizade. Com gravação feita em Fortaleza, João Pessoa, Salvador, Boa Vista, São Paulo e Paris, o fonograma, disponível nas plataformas de streaming, foi produzido pelo músico e produtor Paulo Lepetit, com interpretação de Lenna Bahule, Zeca Baleiro, Vange Milliet, Suzana Salles, Euterpe, Tom Drummond e Eric Diógenes. Para o autor, essa música é parte da trama das reflexões, da memória e das evocações que o inspiraram a revolver vestígios de interações na reconstrução da experiência, como uma espécie de prelúdio de amizade na transversalidade do tempo.

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A imagem da capa

Flávio Paiva escolheu para imagem da capa do Código Aberto uma das esculturas circulares que seu pai Toinzinho Rodrigues (1921 – 2015) fazia despretensiosamente como expressão estética e contínua da vida de camponês, no sertão dos Inhamuns, interior do Ceará. “Eram formas plásticas com características ora funcionais e ora diletantes que apareciam e desapareciam em enigmáticas exposições que iam além dos objetos, alcançando um estado de sentir profundo das coisas mais simples e tendo no suficiente a filosofia do bem viver. Tão belas e tão genuínas, essas obras espontâneas representam para mim pontos de subjetivação do cotidiano. São representações que não pertencem a um tempo nem a um espaço determinados, mas a outros regimes de interpretação do sensível”, sintetiza.

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Lançamento do Código Aberto no Espaço Cortez – São Paulo, em 15/06/2019

Arranjo e violão – Paulo Lepetit
Vozes – Andreia Dias / Marcelo Pretto / Vange Milliet

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Onde Encontrar

Cortez Editora

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