Diário do Nordeste, Fortaleza, 05/04/92

1992 marca os 500 anos da chegada à América de Cristóvão Colombo, assim como o início da colonização do continente pelos europeus. Tempo de comemoração para uns. Período de reflexão crítica para outros. E nesse último grupo está a cantora cearense Olga Ribeiro, a Olguinha, que pautou o tema como conceito básico de seu disco de estréia, sintomaticamente “América”, que tem lançamento previsto para final de maio.

O primeiro show do lançamento acontecerá em Brasília – cidade que adotou há que adotou há quatro anos, ao lado do marido e músico Eugênio Matos, na sede da Caixa Econômica Federal, instituição que aprovou o projeto do disco e entrou com apoio cultural na produção. Seus planos incluem também um show em São Paulo, no Memorial da América Latina. Posteriormente, ela deve fazer o lançamento em Fortaleza, ainda sem data marcada. A pretensão é lançá-lo em outros países.

O caminho escohido por Olguinha para gravar o disco reflete sua experiência em participações de trabalhos de outros cantores e compositores. Ela poderia muito bem colher composições de diversos autores, inéditas ou não, músicas que defendeu em festivais e ‘montar’ seu primeiro disco. “Senti necessidade de fazer uma coisa consistente, que eu acreditasse nela… um trabalho forte”, revela a cantora.

“Um disco é até fácil de fazer. É como um filho. Mas… e depois? Divulgar, levá-lo às pessoas, impor meu nome através dele?”, reflete conscientemente. Olga pensava em fazer um disco que fosse fruto de um trabalho de pesquisa, muito estudo e bem acabado. A questão mercadológica passou ao largo. A escolha do tema foi providencial, mas poderia ter sido oportunista se tivesse encaminhado para o simples oba-oba festeiro. Olga preferiu o lado oposto.

Ela buscou uma síntese de concepções do pensamento latino-americano consciente dos cinco séculos de exploração, ainda sem prazo para se extinguir. Foi a Cuba e pinçou uma música de Juan Carlos Perez (“Personaje X”), que faz participação especial. Também colheu das feiras livres de Juazeiro do Norte, sul do Ceará, região do Cariri, “O Viajante”, de domínio público e que integra o repertório do rabequeiro Cego Oliveira – figura folclórica da região.

“No disco, eu tento contemporaneizar esses elementos estéticos, sem folclorizar ou propor resgates. Nada de discursos maniqueístas. Busco revelar um sentimento universal na leitura lítero-musical”, confessa. O disco abre com “Pase el Agua” (domínio público), tema dos trovadores ibéricos do período pré-navegações, que marca o início a ponte musical de cinco milênios, contando com a participação especial do grupo de música antiga Syntagma. Completada a ponte o clássico hino “Soy Loco por ti América” (Gil/ Capinam), que finaliza “América”.

Olguinha iniciou sua carreira cantando em festivais no final nos 70 e início dos 80. Suas primeiras experiências datam do período que era estudante do colégio Julia Jorge, integrante da rede CNEC, e participava dos Festivais Cenecistas da Canção. “Sempre levava primeiro ou segundo lugar e/ou melhor intérprete”, ironiza a cantora. Foi através desses e outros festivais (Ibeu etc) que entrou em contato com músicos de sua geração, dos quais destaca a turma do grupo Bodega.

Foi integrante do grupo Latim em Pó nos seus primórdios, bem como da performática Banda Pré-Histórica das Moças Donzelas – composta de cantoras e atrizes. Nessa época, já era reconhecida como uma das melhores novas vozes femininas cearenses. O que a levou a novos convites para disputar festivais defendendo canções como “Jobiniana” (Mário Tadeu / Fernando Neri), que levou ao segundo lugar no Festival Universitário, em 86. Sua próxima experiência foi como integrante do Quarteton, ao lado de Eugênio Leandro, Tarcísio José de Lima e Nara Vasconcelos.

Com o Quarteton, Olga realizou turnê pelos Estados Unidos em 87. De volta a Fortaleza, fez algumas apresentações individuais, dos quais destaca o show do Dia Internacional da Mulher, no Teatro José de Alencar, em março de 88, ao lado de Zezé Motta e uma grande lista de cantoras cearenses. Passou também a trabalhar com uma banda de baile, a Banda Nova, ao lado de nomes como Tarcísio Sardinha, Aroldo Araújo, Zé do Norte e Luizinho Duarte. “Meu trabalho atual é somatório de tudo que me aconteceu antes”, diz.

Deixou Fortaleza logo após o casamento com o músico Eugênio Matos (ex-integrante do grupo Officina). Ele foi a Brasília para expandir seus estudos em música. “Brasília fundamentou em mim essa história de ‘viver’ música. A cidade fornece dia-a-dia elementos fortes para a gente ‘pensar’ música”, confessa. O disco “América” foi gravado entre estúdios na Capital Federal e Fortaleza. Eugênio assina os arranjos das quatro faixas produzidas em Brasília – “Sangue Latino” dos Secos & Molhados, “Podres Poderes” de Caetano Veloso, “In Memorian” do próprio Eugênio, e a citada “O Viajante”.

Em estúdios cearenses, Olguinha contou com arranjos e direção musical de Liduíno Pitombeira e Tarcísio José de Lima – seu antigo companheiro de Quarteton – nas oito músicas restantes. Ontem se encerraram as fases de gravação das últimas faixas, quando a cantora recebeu o percussionista maranhense Papete para fazer sua parte nas últimas faixas. Impossibilitado de vir a Fortaleza como previsto, o cubano Juan Carlos Perez enviou uma fita com sua participação especial.

De início, “América” deve sair somente em vinil. Para um futuro próximo, a cantora pretende editar também em cassete e ‘compact-disc’, já que tudo foi gravado em sistema DAT, pensando na versão digital, como ela mesmo salientou. Dentro do esquema divulgação do trabalho, Olga conta com a contribuição do jornal alternativo “Viva América” – editado pelo jornalista Flávio Paiva (Caixa Postal 12.091 – CEP 60.021). “Temos contatos com diversos institutos e entidades culturais não-governamentais, com o objetivo de lançar o disco em outros países da América”, revela.