A infância na sociedade de consumo
Portal Cultura Infância, agosto de 2008

Artigos e Teses

Escrito por Flávio Paiva 

A existência de programas para criança na televisão é coisa que vem dos anos cinqüenta do século passado. As chamadas sessões da tarde e os filmes de curta duração transmitidos aos sábados pela manhã estavam dentro da noção de passatempo. As Histórias em Quadrinhos eram a grande influência a misturar divertimento com modelagem cultural. E vieram os filmes de animação, a tv a cabo e os programas de auditório…

As atenções do mercado voltaram-se para a infância, inicialmente com a intenção de conquista preparatória de futuros consumidores, mas logo as crianças passaram a ser vistas e tratadas como consumidoras. A comunicação mercadológica voltou suas baterias para atrair o mundo infantil à busca da satisfação do prazer imediato, representada no ato de comprar. Passou a fazer isso sem dó e muitas vezes sem dar a menor atenção aos efeitos colaterais do exagero da sedução no desenvolvimento afetivo, intelectual e psicológico.

No apagar das luzes do ano 2000, quando o século XXI se anunciava, surgiu na França o primeiro canal de televisão dedicado exclusivamente à criança. Era o prenúncio de uma década difícil para a infância na sociedade de consumo. Com Tiji, o Canal “J”, do Grupo Lagardère (revistas Elle, Paris-Match, rádio Europe 1 e 2, Match TV, Canal Satellite, MultiThèmatiques), começava naquele momento a concretizar o que ainda era uma tendência da busca da criança como público de interesse relevante para os meios de comunicação.

A criança estava apresentada e representada como ator econômico e como segmento de mídia em programa temático; situação resultante da comprovação do seu poder de influenciar decisões de compras na contemporaneidade. Essa compreensão estabeleceu-se como realidade, sobretudo nas quatro telas que caracterizam a comunicação e os relacionamentos na era digital: a tela de tv, de computador, celular e cinema. Configurou-se, então, um exorbitante conjunto de operações comerciais, marcadas pelo abuso de poder sobre a infância.

Os cuidados na proteção da infância diante dos avanços da publicidade voltada para a criança foi tema de interdição legal já no ano de 1976, em Québec, Canadá. Em muitos países da Europa, por motivos políticos e culturais, e nos Estados Unidos, principalmente por reação ao avanço da obesidade, a sociedade vem reagindo aos efeitos da desconstrução do imaginário e da saúde infantil, provocados pela ocupação da atenção da meninada com anseios de compra e pela sua redução na faixa etária de consumidor.

No Brasil, esse tipo de posicionamento efetivo da sociedade civil ganhou relevância com a criação do Projeto Criança e Consumo (www.criancaeconsumo.org.br) do Instituto Alana, em 2005. De lá para cá muitas conquistas têm sido efetivadas no que se refere a ações jurídicas, educacionais e na promoção do debate sobre a questão do consumo na sua dimensão de problema social.

Em março de 2006, nos dias 28 e 29, o Instituto Alana realizou em São Paulo o 1º Fórum Internacional Criança e Consumo, com discussões sobre valores, ética e o consumo infantil. Em setembro próximo, de 23 a 25, a segunda edição do Fórum (inscrições pelo site www.forumcec.org.br), também a ser realizada na capital paulista, direciona a discussão para o consumismo na infância, tendo como abertura a exibição de um documentário sobre o tema dirigido por Estela Renner. Por ocasião do encerramento será exibida a animação Como seria a vida sem publicidade?, produzido pelo Núcleo de Animação da Multirio, com a participação de crianças do projeto Educando na Periferia.

Flávio Paiva é jornalista, colunista semanal do jornal Diário do Nordeste, membro do conselho do Projeto Criança e Consumo e autor, dentre outros, dos livros/cds “Flor de Maravilha”, “Benedito Bacurau” e “A Festa do Saci” (Cortez Editora).

Fonte