A relevância nas redes sociais
Artigo publicado no Jornal Diário do Nordeste, Caderno 3, página 3

Quinta-feira, 28 de Agosto de 2008 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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O impacto na comunicação e nos relacionamentos causado pelas mídias digitais vem entrando em fase de produção de mais do mesmo, nas telas de celular, computador, televisão e cinema. Dificilmente teremos uma quinta tela com tamanha importância. O mercado de inclusão digital é crescente e a disputa pela atenção de quem já é usuário tornou-se um frenesi de novidades geralmente desnecessárias. Nesse vale-tudo pela captura de audiência crescem as buscas por aproximação entre portais empresariais e blogueiros, assim como pela integração com a mídia tradicional.

Que as mídias digitais têm atributos que a distinguem como meio de comunicação de massa e de nichos não restam dúvidas, o problema é saber como operar nessa anfibiologia ainda tão pouco estudada. No seminário “Redes Sociais – a nova mídia é o consumidor”, realizado há dez dias em São Paulo, pela Editora Abril, profissionais e empresários de setores interessados na exploração das novas possibilidades dessas ferramentas tecnológicas e desses ambientes sociais, mostraram que ainda estão longe de se entenderem nos negócios, mas que o consenso de suas crenças diz que a palavra de ordem para quem quiser sobreviver nesse mundo é relevância.

O momento de busca por exposição, de necessidade de compartilhar afinidades, de falar de coisas íntimas e de afirmação de identidade já não é mais suficiente como atração nas zonas de relacionamento. As pessoas descobriram que podem postar o que quiserem, mas que continuam ocultas diante de tanta informação. A relevância está em conformidade com o pensamento dos mais diversos atores que comandam a rede porque relevância é conteúdo e conteúdo é a diferença. A briga de todo mundo é para aparecer entre os primeiros nas listas dos buscadores. E essa indexação se dá por critérios de relevância.

Relevância vem de relevo, de algo que se destaca em um mundo plano e pleno de agrupamentos até agora muito ligados a aplicativos de entretenimento. Como mídia e ambiente as redes sociais se caracterizam por serem alimentadas de conteúdos gerados pelos próprios usuários. É fabulosa essa história de que cada pessoa é uma mídia, que o poder de publicação está descentralizado e que os internautas querem trocar informações, sentir proximidade, desabafar… Essa condição de liberdade reservada mostra na prática uma imensurável produção de conteúdos pouco interessantes para a maioria das pessoas. Daí, a descoberta do valor da relevância.

A grande mudança que ocorreu com a chegada da era digital está no conceito de comunidade. Nas comunidades de relacionamentos a rede é virtual, mas as relações de diálogo são tão reais quanto nas tradicionais comunidades físicas. O fenômeno das redes sociais está mudando o paradigma do uso da mídia. Ele alterou a rotina das pessoas, mudou a compreensão de privacidade e está mudando a de consumidor. E isso não ocorreu apenas para quem tem dinheiro para adquirir tela própria. Estima-se que o Brasil tem 59 milhões de usuários, entre os que fazem uso doméstico, no trabalho e nas mais de 70 mil lan houses e cibercafés existentes no País.

Houve um tempo em que se pensava que a internet não tinha dono. Depois se descobriu que são treze troncos de controle e que dez deles estão nos Estados Unidos. As notícias de que os países mais fechados negociam com os grandes provedores o que entra e o que não entra, o que sai e o que não sai de informações, ajudaram na compreensão de que a mídia digital não é tão democrática assim. Quem andar fora da linha pode desaparecer, como desapareceu sem qualquer explicação toda uma comunidade do Flamengo que estava construída no loteamento virtual do Orkut.

Os comportamentos de navegação são monitorados e os perfis dos internautas vendidos como mercadoria de grande valor. A leitura dos movimentos das pessoas na Internet vem se tornando um grande negócio. Sistemas algorítmicos, que contemplam informações sobre as preferências dos usuários, permitem uma espécie de pesquisa de campo em sites, portais e blogs para conhecimento de hábitos. O Ibope/NetRatings tem um robô que faz coletas de dados nas comunidades do Orkut para passar aos seus clientes. Da mesma forma, o comunicador instantâneo Messanger oferece aos seus anunciantes detalhes específicos do comportamento geográfico e do mapa de relacionamentos dos seus usuários.

O conhecimento do papel psicográfico de quem utiliza essas ferramentas, inclusive das comunidades que freqüenta e dos produtos e serviços que consome, é considerado fundamental para quem atua nos segmentos da cauda longa. Essa analogia aos pontos por onde se arrastam os rabos compridos dos animais foi lançada pelo jornalista norte-americano Chris Anderson, editor da revista Wired, no livro A Cauda Longa – do mercado de massas para o mercado de nichos (Ed. Campos/Elsevier, 2006), para dizer que na era digital os grandes ganhos seriam tirados das segmentações, por conta do aumento da variedade de ofertas e da preferência do consumidor por produtos e serviços personalizados.

Embora bastante questionada, a tese da cauda longa tem sido seguida pelos defensores da eficiência do marketing viral. Tudo isso está dentro da procura por relevância. Virularizar, que já virou verbo de publicidade, é produzir conteúdos que interessem, que chamem a atenção a ponto de serem indexados pelos motores de busca e espalhados espontaneamente pelos internautas, especialmente pelos blogueiros que são grandes multiplicadores e influenciadores mútuos. O grande desafio das agências digitais é o de lançar campanhas que gerem assunto e interatividade nas redes sociais.

Do ponto de vista da comunicação e da capacidade de estabelecer relacionamentos a cauda longa da quantidade de conteúdos é formada pelos blogs. Os blogs são conversas e canais para o estabelecimento de contato. Os blogueiros mais antenados sabem que ter muitos falando não quer dizer que muitos sejam ouvidos. O publicitário da blogosfera Walter Martins reage diante da ação dos portais empresariais de abrir espaços para alguns blogs considerados de conteúdos relevantes. Ele disse claramente no seminário Redes Sociais que a força blogueira não está nos “cercadinhos de publicação de conteúdos dos grandes sites”, mas no falar de perto, no convencimento. Para ele a saída não é o pequeno ficar grande, pois o segredo da blogosfera não estaria nos índices de audiência, mas na qualidade dos argumentos, que anda muito fraca.

O fato de, na sua batalha por audiência, a “mídia offline” recorrer a assuntos gerados na “mídia online” e vice-versa tem gerado controvérsias. Bem ou mal, direta ou indiretamente, uma é fonte da outra, se retroalimentam. Ambas precisam de relevância. A máxima de que “o conteúdo é rei” está pegando e começa a colocar em xeque os argumentos falaciosos de que o ciberespaço é por si uma dimensão socialista, quando se trata de direitos autorais, e capitalista, quando diz respeito à comercialização de conteúdos. Tudo correrá bem se nas oportunidades postas for levado em consideração o fato de que os seres humanos são, antes de tudo sujeitos culturais e históricos. E ter uma narrativa é o segredo da relevância.