Artigo publicado no Jornal Diário do Nordeste, Caderno 3, página 3
Quinta-feira, 24 de Janeiro de 2008 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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A natureza e a causa dos problemas educacionais brasileiros já estão muito bem diagnosticadas. Todos os dias tomamos conhecimento das nossas mazelas nesse campo tão importante para o desenvolvimento de qualquer país. É quase intimidadora a proliferação de tantos diagnósticos, nem sempre com a revelação clara de intenções e critérios utilizados.

Os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), apresentado no mês passado, colocam mais uma vez o Brasil entre os últimos, de meia centena de países pesquisados.

Estudos recentes da Unesco colocam o Brasil lado a lado com os mais pobres países africanos, como o Burundi, e asiáticos, como o Cambodja, em elevados índices de repetência no ensino fundamental.

Os institutos de pesquisa, nem sempre esclarecendo quem os contratou, escancaram os índices alarmantes da nossa evasão escolar e o grau de analfabetismo funcional a que estamos encostados, quando o assunto é habilidade de leitura e de escrita.

Na classificação mundial de países apresentados como falidos em termos educacionais, o Brasil aparece sempre na lanterna, no quesito domínio da matemática, das ciências e da própria língua. Nossos estudantes matriculados no nono ano são equiparados, em nível de conhecimento, aos estudantes do quinto ano nas listagens de países investigados.

As insistentes denúncias do adverso quadro brasileiro são difundidas com tanta dramaticidade que chegam a sugerir que a profundeza dos nossos problemas estruturais não permite que intervenções mais modestas e mais independentes das fórmulas importadas possam fazem qualquer diferença.

No entanto, é bom lembrar que a crise do sistema educacional não é uma exclusividade brasileira, mas um problema mundial. A principal causa desse fenômeno é a diluição das referências educacionais, antes concentradas nos planos da família, da escola e da religião e mais recentemente, apropriadas pelo universo da comunicação de massa e das redes de transmissão de dados e informações.

Fala-se muito em educação de qualidade, transferência de tecnologias de gestão de empresas para escolas e em sistema de mérito, bonificações e premiação de escolas, conforme o desempenho dos alunos.

As recompensas pelo desempenho escolar são normalmente dadas com base na assiduidade de professores e na redução de custos. Raramente se escuta falar em reconhecimento de educadores, por terem compromisso com a causa que abraçam, pelo conhecimento que conseguem ampliar continuamente e pela habilidade que têm de compartilhar esse conhecimento com a equipe escolar, com os estudantes e com a comunidade onde atuam.

No meio a tanta complexidade ficou difícil alguém querer continuar sonhando em ser professor de filosofia, sociologia, física, química ou biologia, quando a remuneração é insuficiente e a distinção profissional para esse tipo de atividade é quase nula.

Por conta disso, até mesmo os grandes conglomerados educacionais privados estão com dificuldade de contratar professores para essas e outras áreas sublimes, mas sem valor de mercado. Exceto quando se trata dos idealistas, as pessoas talentosas estão deixando de procurar o magistério. Ensinar passou quase a ser uma opção de quem não consegue caminho profissional mais vantajoso.

O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), do governo federal, até que tem apresentado ações afirmativas no sentido de contornar o drama dos educadores, estabelecendo salário mínimo nacional para professores, criando programas de treinamento e incentivo ao desempenho.

O ministro Fernando Haddad tem defendido uma nova educação dirigida à aprendizagem e setores organizados da sociedade ensaiam manifestações pontuais, algumas delas com base em metas desafiadoras a serem alcançadas em favor da melhoria do ensino no país.

Ainda é pouco. Precisamos ser mais incisivos diante dos fatos. A atração de profissionais da educação, especialmente para as escolas mais despossuídas, não terá sucesso sem a prática de incentivos expressivos, tais como auxílio-moradia e salário-compromisso para quem for morar ou ensinar em bairros, distritos ou municípios marginalizados.

O enfrentamento de toda sorte de violência é outro aspecto desestimulador da arte de ser educador e educadora hoje em dia. A autoridade do professor é constantemente desgastada por parte dos estudantes das instituições educacionais privadas. Por estarem pagando, exigem respeito ao dinheiro que compra aquele serviço. Já nas escolas de periferia, quem educa vive em constante ameaça, resultante da rotina caótica das desigualdades sociais, econômicas e culturais.

A ausência de orientação sistemática e consistente do que deve ser desenvolvido com os estudantes e de um sentido educacional que não seja o de passar no vestibular, reduz o encanto do ensinar. Além disso, todo trabalho que o professor recebe para avaliar tem que ser submetido a buscas na internet porque o plágio e, mais descaradamente, a cópia, tem sido uma prática indecorosa nos ambientes escolares e universitários.

Para completar a assombração, chegam, a todo instante, exemplos de países que supostamente conseguiram deslanchar economicamente porque teriam investido em educação, como se a educação fosse um simples enxerto de caráter técnico. A Coréia do Sul tem sido um desses exemplos. É quase insuportável essa distorcida azaração neoliberal. Agora, mais recentemente, com a diminuição da expansão econômica sul-coreana, é que se começa a perceber que não é bem assim.

A transformação de qualquer país se dá inicialmente pela cultura. O tamanho da encrenca deve ser medido pelo nosso sentido de destino. O que mais um estudante necessita é desenvolver atividades que possibilitem o aprendizado do olhar, da busca, do encontrar e do saber ou sentir as razões que justificam a aplicação do que descobre. Antes, porém, precisa de acesso aos meios educacionais.

A oportunidade educativa está posta ao lado da oportunidade econômica, da oportunidade amazônica e da necessidade de defesa, como um dos quatro eixos para a construção do modelo de desenvolvimento brasileiro, lançados na semana passada pelo ministro extraordinário de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger. Ao afirmar que “não basta nos rebelarmos contra a falta de justiça se não nos rebelarmos também contra a falta de imaginação”, ele coloca a essência da educação na teia do simbólico.

A valorização dos educadores requer fundamentalmente esse componente simbólico e isso é uma questão que pode ser tratada no âmbito de qualquer esfera da vida em sociedade. Quando a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, aprova um Projeto de Lei (370/2007), autorizando a meia-entrada para professores em estabelecimentos de lazer e cultura, está proporcionando a formação continuada dos educadores, para que tenham condições de estarem mais integrados culturalmente, para partilhar saberes mais amplos com os estudantes.

Cristóvam Buarque diz que “o mais importante desafio da educação contemporânea é formar o professor”. Por isso, defende, a preparação de educadores deve ser uma tarefa de toda a nação. Buarque está certo. Se, como narra a sabedoria popular, é preciso uma comunidade para educar uma criança, precisamos mesmo de uma mobilização nacional para cuidar dos nossos professores, para tornar a escola mais atraente e fazer da educação um instrumento da nossa mais plena expressão cultural.