Procuram-se as causas que, na semana passada, levaram chamas ardentes a destruir uma área de pelo menos dez hectares no Parque Estadual do Cocó, em Fortaleza, o maior território natural urbano do Norte e Nordeste brasileiro. Ora, ora, por mais que digam que poderá ter sido isso ou aquilo, a principal razão desse tipo de ação criminosa, redutora da cobertura vegetal, bem como dos campos dunares da cidade, tem origens mais profundas.

O incêndio do Cocó, uma tragédia com fumaça espalhada por muitos bairros da cidade, é, em si, um acontecimento funesto decorrente da supraestrutura de pujança deteriorante que historicamente comanda a cidade. O que é isto? Uma condicionante de inchaço, fomentadora de comportamentos antiverde, fundada em base econômica modelada pela especulação imobiliária.

Prédios têm preço, parques têm valor. As proteções, os sistemas de segurança para casas, edifícios e condomínios e seus jardins particulares sofisticam-se a todo instante; as áreas verdes públicas, não; estas, via de regra, podem ser negligenciadas por não servirem para aluguel ou venda. Cobertura vegetal é estorvo para o projeto de adensamento urbano que avança de modo descomedido na cidade, aumentando a diligência da desigualdade verde.

A história das cidades mostra que o desenvolvimento de uma cultura ecológica urbana não depende de localização geográfica, tempo de fundação ou número de habitantes. Nessa avaliação de grandeza, Curitiba (Brasil), Estocolmo (Suécia), Berlim (Alemanha) ou a cidade-estado de Singapura estão na mesma sintonia de lugares que colhem benefícios do verde em sua extensão de lazer, estética, qualidade ambiental e bem-estar da população.

Incêndio no Parque Ecológico do Cocó, em Fortaleza. Foto: Aurélio Alves/OPOVO+

Fortaleza também poderia ter um patrimônio natural respeitável e voltado para usos da coletividade. No entanto, o Parque do Cocó, por exemplo, é uma área pública permanentemente cobiçada e lentamente invadida em função de interesses particulares. Deve ainda estar aí não apenas porque tem uma lei de proteção, mas porque é predominantemente um mangue, e é caro aterrar e construir sobre solo lamacento. Por ter sua área degradada pelo incêndio próxima de arruamentos, com presença constante de lixo, talvez seja conveniente perguntar o que ali um dia vingará: novas árvores ou novos prédios?

No capítulo “O vento e a flor de seda”, do meu livro “Bulbrax – sociomorfologia cultural de Fortaleza” (Armazém da Cultura, 2017), ao tratar dos comportamentos que causam a destruição do verde na cidade, vou direto ao assunto: “A sanha imobiliária apaga paisagens de lugares especiais como o Parque Ecológico do Cocó que, dia após dia, vai sumindo entre prédios e mais prédios” (p. 204). Passado o incômodo da fumaça, poucas pessoas se dão conta de que quando um parque pega fogo, é o bem comum que queima.

No curto prazo das movimentações e acomodações políticas e ambientais, a capacidade reprodutiva das construtoras é maior do que a das matas. As árvores, diferentemente dos animais que abrigam, e que podem tentar fugir, embora nem sempre consigam, não têm pernas para andar, nem asas para voar ou mesmo barbatanas para nadar. As plantas se deslocam por meio de suas sementes, na ação dos pássaros, das abelhas, do vento e dos interesses humanos.

A crise climática está posta. A humanitária também. Isso amplia a importância que deve ser dada ao tema do verde em todo o mundo. Nos centros urbanos, então, é urgente que se devolva (ou desenvolva) o sentido de cidade, com bairros mais ecológicos, onde a apreciação do verde e o usufruto das sombras e do frescor das brisas possam ser compartilhados livremente. E que parques como o do rio Cocó sejam efetivamente protegidos e seguros como um bem essencial de Fortaleza.

Fonte
Jornal O POVO