Chamar de concerto pode não ser a maneira mais apropriada para definir a apresentação que vi e ouvi no casarão musical da cidade alemã de Rüdesheim. Pensando bem, no interior daquele lugar de torres pontiagudas, em estilo fachwerk, com paredes claras e hastes de madeiras de encaixe cor de vinho, não se encontram artistas divididos por naipes de instrumentos e solistas executando peças musicais.

O empolgante concerto experienciado no Siegfrieds Mechanischem Musikkabinett, o museu de equipamentos de instrumentos musicais mecânicos produzidos entre 1780 e 1930, é constituído por diversos movimentos de orquestrões, realejos e caixas de passarinhos, em consonância com as salas, batentes e escadas da residência do cavaleiro medieval Johann Bröwser (1370 – 1422), que ainda preserva partes da construção original.

Com instrumentos controlados por dados e acoplados em móveis envidraçados, gabinetes de madeira, armários, consoles, jukeboxes, retábulos, estojos e decorados carros de ambulantes, o concerto de Rüdesheim tem em sua complexidade técnica a ancestralidade dos algoritmos que orientam a música digital contemporânea; uma inteligência mecânica que despertava no século 18 com a arte da relojoaria e seus autômatos canoros.

Fundado inicialmente em 1969 na cidade de Hochheim, o museu funciona desde 1973 na cidade de Rüdesheim, que, de trem, fica a 44 minutos de Frankfurt. Estávamos de férias e o nosso filho Lucas, que já esteve algumas vezes pedalando por essa vila rodeada por vinhedos e banhada pelo rio Reno, levou a Andréa e a mim para o concerto de móveis da casa, conhecida como Brömserhof, onde o colecionador Siegfried Wendel (1935 – 2016) morou com sua família.

Transitamos, com um simpático guia, entre os mais de 350 tocadores automáticos de música, que só precisam de um botão a ser apertado, o giro de uma manivela ou chave para dar corda a fim de mostrar como eram as músicas de castelos, igrejas, feiras, praças e circos. No trajeto, passamos por parte do piso original e sob o teto em estilo gótico, ladeados por paredes com afrescos de 1559 referenciando o mundo da ordem de cavalaria de Brömser.

O concerto de Rüdesheim vai se realizando sala por sala, produzindo emoções únicas. Em uma delas, um móvel acomoda piano, bandolim, violino, flauta, clarinete, trompete, sax, xilofone e bateria em tamanhos normais, com orquestração organizada a partir de um rolo de papel com furos que definem quando e o que cada instrumento deve tocar. De um lado, um sinfônio de 1900 combina um rolo metálico com hastes de metal para tocar “Die Loreley” (F. Silcher / H. Heine) enquanto um carrossel gira na parte superior, e, do outro, a música é de um acordeom sobre um piano.

O cômodo seguinte é estremecido pelo som de uma enorme estrutura ornamental de 1908, com design do oriente, que tem um sultão como maestro e duas mulheres tocando sino nas janelas laterais. Ali também se encontra um realejo de rolete, de origem berlinense, sem data, utilizado em circos, praças e teatro de rua. No percurso, fonógrafos, gramofones e sonógrafos e um orquestrão de violinos.

Ouvimos “Liebestraum” (Franz Liszt) em um piano de cauda replicador, equipamento que possibilitou a audição em casa de música de piano com qualidade, no início do século 20. No pavimento mais antigo da casa, uma mesa de flauta de 1789 nos lembra que o oxigênio da música vem de pequenos foles que brincam em um sistema binário com minúsculos pinos de bronze. Em uma vitrine, luxuosas caixinhas de pássaros cantantes (singvogeldose), verdadeiras obras de arte com 376 delicadas peças cada uma, que ainda são feitas manualmente por artesãos do museu.

Mozart (1756 – 1791) compôs peças diretamente para Instrumentos Musicais Mecânicos. É famosa a sua obra “Köchelverzeichnis 608”, de órgão para relógio; uma criação que não é possível ser executada por mãos humanas. E a coleção de Siegfried Wendel tem um Kleensyer Flötenuhr, de 1780, que tem as possibilidades técnicas para isso. Tem também órgãos de tambor, nos quais artistas populares faziam composições muito apreciadas na década de 1920. Ferramentas e máquinas utilizadas na confecção desses instrumentos integram o acervo do museu.

Depois de assistir ao concerto de Rüdesheim, a música guardada nesses móveis de instrumentos mecânicos acompanha-nos pelas ruas sombreadas e estreitas da pequena vila, com suas lojas de souvenires, casas de vinho e restaurantes. Um teleférico convida para o alto da colina, de onde se vê o trançado de vinhas, castelos e torres da antiga cidade amuralhada, a vila de Bingen na outra margem do Reno, e as casas de cores claras com teto preto, como se fossem pinos e cilindros a mover bonecos dançantes.

Fonte
https://www.rivista.com.br/