Conhecida por ser uma cidade intensa, onde o multiculturalismo vingou, terra das baladas de música eletrônica, um dos grandes centros globais de cultura criativa, ciência e política, Berlim também tem seu dia de descanso. Foi uma experiência e tanto passar todo o primeiro domingo de julho circulando pela capital alemã, de 3,6 milhões de habitantes, desde bem cedo até nove e meia da noite, quando o sol se põe por aqui nesse período.

Amanheceu fazendo um clima agradável, com vento frio e céu nublado, ruas desérticas, pessoas somente aqui e ali, canto de pássaros e sons de campanários, relógios de torres e água de chafariz. Neste tempo de férias escolares, com shoppings, supermercados e lojas fechados, a pé, de bicicleta, de automóvel ou transporte público, moradores e turistas foram ocupando as ruas, praças e parques lentamente, junto com os raios de sol. A movimentação tem poucos cães, haja vista que sobre esses pets incide cobrança de imposto.

Berlim, que tem o ano de 1237 como data de povoação original, é um centro cultural disfarçado de cidade, um museu orgânico completo e repleto de histórias, memórias, gastronomia, arte e diversidade. Tudo o que está exposto na cidade tem integralidade, nada torna-se intervenção. Por tudo quanto é lado, a capital alemã tem museu, galeria de arte, área verde, bistrôs e restaurantes. E foi no Zum Paddenwirt, que fica por trás da Igreja de São Nicolau, o templo mais antigo da cidade, que almoçamos uma comida alemã-raiz tomando cerveja local.

É incrível a comunhão de vários idiomas em um lugar que foi cenário de tantas intolerâncias. Quando sentimentos e emoções são revolvidos com a força estética das manifestações artísticas, o humano se enxerga e vê o outro com a mesma atração e espanto de quem passa pela Bebelplatz (antiga Praça da Ópera) e observa por um vidro uma biblioteca de estantes vazias no subsolo, em memória da queima de livros ocorrida em 1933, tempo em que o regime nazista perseguiu escritores, poetas, filósofos e ensaístas que não comungavam de suas insanidades.

Comunhão da diversidade na praça do Altes Museum, lugar que foi cenário de tantas intolerâncias. Foto: Flávio Paiva

As pulsões da existência humana estão em lugares fechados e abertos da cidade. No Fórum Humboldt, museu que funciona onde era o Palácio de Berlim, vi uma exposição de arte e artefatos africanos saqueados pelos alemães em 1908. Foi nessa mostra de peças raras e belas que ocorreu no mês passado o episódio protagonizado pelo rei Nabil Mbombo Njoya, do povo Bamum, de Camarões, que se sentou no trono que era do seu bisavô. Na rua, apreciamos uma réplica em tamanho original de parte do muro derrubado em 1989, símbolo da queda da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS); galeria de arte urbana toda pintada por artistas de diversas cores e nacionalidades.

Atravessada pelo rio Spree, que serviu de baliza para a construção do muro que dividiu a cidade por mais de três décadas (1961 – 1994), Berlim oferece muitas e distintas alternativas para seu desfrute. É ladeando o rio, na altura da ponte Moltke (1891), revestida de arenito avermelhado, que as pessoas se postam para ver o pôr-do-sol. Esses pontos de encontro estão espalhados também por mais de 2500 parques, inclusive um deles, que fica em frente ao Altes Museum, foi o espaço que serviu para manifestações nazistas reveladas em uma emblemática foto de 1939, em que aparecem soldados perfilados rendendo homenagens ao Führer.

O encerramento dessa jornada de quinze horas com a minha família pela capital da Alemanha deu-se no Curry 36, na grande Berlim, o mais popular ponto de comida de rua da cidade, que fica no Kreuzberg, um dos distritos mais populosos de Berlim. Sanduichão de responsa, com refrigerante de cereja. Depois, foi pegar o ônibus e ir dormir, que no dia seguinte teve mais.

Fonte
https://mais.opovo.com.br/colunistas/flavio-paiva/2023/07/10/domingo-em-berlim.html