Dez anos se passaram desde que Dominguinhos partiu deste mundo. Partiu para ficar, melhor dizendo, porque onde tem forró e xodó na música brasileira ele segue presente. Está tudo bem contado no musical “Dominguinhos – Isso aqui tá bom demais!”, que lotou o Cineteatro São Luiz no fim de semana passado; uma montagem de sublimação, com muita substância de música, dança e arte cênica.
No cenário, contrastes entre a dureza de blocos de concreto e a brandura de uma árvore frutífera ambientam o retrospecto de colagens do viver e da arte sanfoneira de José Domingos de Morais (1941 – 2013), o Neném do Acordeon, que Luiz Gonzaga (1912 – 1989) batizou de Dominguinhos. Os episódios começam em cronologia reversa, mas logo perdem a linearidade do tempo de narrar, com as sanfonas que fizeram a história do artista dando o tom do espetáculo.
O olhar sobre o nordeste de musicalidade, trabalho, vida desafiadora e sabedoria que caracteriza esse musical é formado a partir de um consistente tripé cultural do território brasileiro na formação do seu conceito, direção e elenco.
Pernambucanos são três: o percussionista Jam da Silva, que interpreta Luiz Gonzaga; a cantora e atriz Luiza Fittipaldi, que faz o papel de Anastácia e Elba Ramalho; e Zé Pitoco, que toca desde zabumba até clarinete e, por vezes, representa Dominguinhos.
Paulistas são cinco: o sanfoneiro Cosme Vieira, que também interpreta Dominguinhos; o ator e músico Wilson Feitosa, um outro Dominguinhos no palco; o violeiro Hugo Linns; e Liv Moraes, cantora, que é filha de Dominguinhos. Tem ainda Myriam Taubkin, curadora e diretora musical.
Mineiros são dois: a jornalista Sílvia Gomez, que assina a dramaturgia, e Gabriel Fontes Paiva, responsável pela direção.
Convergências… o Brasil fica mais luminoso quando suas partes somam energias e talentos para revelá-lo além das histórias formatadas pelo establishment. Na música não é diferente. O espetáculo “Dominguinhos – Isso aqui tá bom demais!” tem essa pegada de realçar um grande artista em sua verdadeira grandeza como pessoa, músico e personalidade.
Composições lindas quase nunca estão associadas aos seus criadores. Sim, alguns clássicos da canção brasileira são de Dominguinhos: “Eu só quero um xodó” e “Tenho sede” (com Anastácia); “Lamento Sertanejo” e “Abri a porta” (com Gilberto Gil); e “Gostoso demais”, “De volta pro aconchego” e “Isso aqui tá bom demais” (com Nando Cordel) são exemplos da sua genialidade autoral.
Depois de ver o musical, deu vontade de reler o livro “Dominguinhos – O Neném de Garanhuns”, pesquisa de Antônio Vilela de Souza, autor da mesma cidade do artista, obra que adquiri por ocasião do seu lançamento na bienal de Garanhuns (2014). Por entre as páginas escutei Anastácia, sua parceira de 12 anos de vida e de música, dizendo: “Era uma pessoa tão doce que isso até fazia sofrer”; já de Guadalupe, com quem foi casado por quatro décadas, ouvi uma síntese na hora da despedida: “Está aqui, ele plantado para renascer”.
O artista de alma leve e ser de profunda simplicidade aparece também no cordel “O encontro de Gonzagão e Dominguinhos no céu”, no qual Stélio Torquato descreve: “Nessa viagem no tempo / Dominguinhos se entretém / De repente, ouviu uma voz / Que ele conhecia bem: / “Meu Jesus de Nazaré! / Aquele cabra não é / Meu conterrâneo Neném?”. Era a fala de Luiz Gonzaga recebendo o filho do mestre Chicão e da dona Mariinha, de Pernambuco para o mais animado forrobodó celestial. Dominguinhos é xodó em todo canto!
Fonte
https://mais.opovo.com.br/colunistas/flavio-paiva/2023/10/23/dominguinhos-forro-e-xodo.html