Educação e Consumo
Artigo publicado no Jornal Diário do Nordeste, Caderno 3, página 3

Sábado, 30 de Setembro de 2006 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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As crianças adoram Lazy Town. Esse programa tem a façanha de falar de educação e consumo sem cair nas armadilhas do politicamente correto. O personagem principal, Sportacus, é um herói atlético e saltitante que defende as crianças do sórdido Robbie Rotten, que vive de instigar a meninada ao sedentarismo e a comer em fast-food e tudo o mais que não presta. Tem ainda uma garota, Stephanie, toda vestida de rosa choque, combinando com o seu cabelo, que faz a função de escada para os dois. Ora, se sente tentada por Rotten, ora embarca na movimentação de Sportacus.

Magnus Scheving é o nome do ator que interpreta Sportacus e também o diretor de Lazy Town. A série é montada com atores reais, animação e bonecos. O trabalho é muito bem feito. Inclusive, o mais difícil nesse tipo de proposta, que é não ser piegas. É um alento para pais e educadores tão constantemente bombardeados por todo tipo de enlatado que entra no Brasil incitando o consumismo na infância, em uma grade de programação quase toda importada e, via de regra, estruturada em conteúdos de violência simbólica. Pode ser que Lazy Town sinalize para a existência de uma tendência de programas infantis que respeitem a criança.

O Brasil já tem um canal de qualidade dedicado ao público infantil de 2 a 10 anos. É a TV Rá Tim Bum, da TV Cultura, cuja programação, totalmente produzida no país, foi ao ar no início deste mês de setembro. Por enquanto os fornecedores de serviço de canal a cabo ainda estão tímidos na potencialização desse conteúdo voltado para a infância, com valorização da cultura brasileira.

A busca por maior equilíbrio entre as ações do marketing do consumismo e os interesses da sociedade cresce na agenda mundial. O Brasil, o Código de Defesa do Consumidor já tem 16 anos, mas ainda não foi regulamentado na sua plenitude. A principal vítima dessa inoperância é a criança. O público infantil entra cada vez mais no alvo do marketing do consumismo. É um consumidor considerado relevante pelo mercado. Um estudo da LatinPanel, empresa multinacional de pesquisa de consumo domiciliar revela que é de 35% o percentual de casais com crianças de até 12 anos no Brasil.

Os marqueteiros pedófilos ficam loucos. Uma promoção da Sky mostra um filho se dirigindo ao pai para informar que caso ele não assine as alternativas oferecidas por esse fornecedor de canais por assinatura, ele deve escolher outra família para ser pai. Não dá para achar engraçado! Muita gente já descobriu que ao se deparar com publicidade desse nível é só entrar em contato com entidades que estão sendo acionadas a fazer alguma coisa para evitar que publicidade assim seja veiculada.

São incontáveis as reclamações que ghegam regularmente aos Procons, às agências reguladoras e ao Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, do governo federal. O que parece ser mais positivo nessa pressão da sociedade é que até o próprio conselho de auto-regulamentação do setor publicitário, Conar, atualizou suas regras para ficar mais próximo dos interesses de cidadania. E não estão fazendo isso porque são bonzinhos, não, é porque tem aumentado intensamente os processos contra agências de publicidades e seus clientes.

A sociedade brasileira vem pressionando os órgãos competentes a tomarem providências quanto aos abusos do marketing do consumismo. Anúncios aéticos que estimulam os filhos a pressionarem os pais estão na mira das pessoas que já entenderam que podem mudar esse quadro. Temos uma lei, que é o Código de Defesa do Consumidor. Uma lei federal com um capítulo específico que trata de marketing e propaganda, principalmente aquela que abusa da credulidade e inexperiência infantil.

Com apoio do Ministério Público Paulista e Federal, o Instituto Alana já abriu espaço para denuncias sobre propagandas infantis. No site wwwcriancaeconsumo.org.br está sendo publicado um informativo chamado “De Olho de MKT”, onde profissionais da área da psicologia, pedagogia e marketing, analisam as propagandas infantis, com suas mensagens negativas, enganosas e subliminares. A partir desse monitoramento podem ser feitas denúncias em caso de infração a lei. É bom lembrar que para o Ministério Público se movimentar é preciso que ele seja acionado pelas por pessoas ou entidades da sociedade civil.

O aumento de famintos obesos no mundo é um fenômeno repudiante. Pessoas que pagam para comer tanta porcaria, que ficam desnutridas, com deficiência de micronutrientes. As questões nutricionais e de bem-estar é uma preocupação cada vez mais acentuada pela tendência de saudabilidade. A onda diet, light e de consumo de produtos orgânicos é indiscutivelmente crescente. Cresce também a procura pelos chamados alimentos funcionais, aqueles enriquecidos com vitaminas, zinco, sais minerais, fibras, enfim, benéficos para o consumo humano. A atenção nesse sentido se amplia, inclusive para os alimentos que servem para diminuir riscos de doenças cardiovasculares, crônico-degernerativas, que reduzem o colesterol e aumento a velocidade de passagem intestinal.

A recente atitude da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Anvisa, de obrigar os fabricantes de alimentos a informarem nas embalagens de seus produtos a quantidade de gordura trans – aquela da margarina – demonstra que não se vai parar por aí. De passo a passo, a sociedade vai conquistando o respeito que merece. Essas mudanças abrem espaço para a ação de Sportacus e de outros heróis, televisivos ou não, que lutam pela saúde das crianças. Não é uma briga fácil, pois os marqueteiros do consumismo são de deixar qualquer Robbie Rotten na lanterna do ranking das maldades no mundo infantil.