Incerteza versus previsibilidade
Artigo publicado no Jornal Diário do Nordeste, Caderno 3, página 3

Quinta-feira, 05 de Abril de 2007 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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No cenário econômico brasileiro das últimas décadas, vivenciamos toda sorte de surpresas, quase sempre com desdobramentos desagradáveis. Passamos no período por vários planos econômicos que às vezes anunciavam expectativas de avanço, mas logo em seguida desaguavam em frustrações. Com isso, fomos sedimentando no cotidiano uma indesejável cultura de desconfiança na eficácia dessas ações.

Sempre me perguntei a quem deveria interessar essa sensação de instabilidade. Na maioria das vezes que consegui esboçar qualquer entendimento sobre a questão, só deslumbrei a existência de um novo tipo de desigualdade, a desigualdade causada pela incerteza. Deduzi que a imprevisibilidade deixa os fracos mais fracos e os fortes mais fortes.

Tenho procurado compreender os motivos reais da pressão sistemática em cima do Brasil para que dê um jeito de alcançar os elevados níveis de crescimento atual da China e da Índia. Os ataques dos mais incomodados com o chamado travamento do crescimento brasileiro é a caricatura de uma situação curiosa: enquanto a grande maioria dos brasileiros tem conseguido encontrar um pouco de ar fresco na melhoria de renda, o oxigênio do ganho fácil parece começar a ficar rarefeito para uma minoria que nunca sentiu falta de ar, que nunca teve uma contração espasmódica nos brônquios econômicos.

Esse sintoma de ataque asmático identificado em parcela significativa das nossas oligarquias econômicas se dá porque o País está caminhando com equilíbrio: a inflação está sob controle, a balança comercial superavitária, o câmbio estável e não dependemos mais das receitas amargas do FMI. Compreendo que reclamações, a exemplo das que procuram baixar as taxas de juros, simplificar o sistema tributário, resolver os desajustes da Previdência e, mesmo a necessidade de melhorar a taxa de crescimento, fazem parte das movimentações legítimas do processo democrático. Mas essa não me parece ser a questão.

O problema que nos cabe investigar com maior profundidade é que temos uma antinomia entre incerteza e previsibilidade no enfrentamento pelo poder no nosso País. A promoção da incerteza favorece a geopolítica corporativa das grandes empresas multinacionais que, na ânsia de dominar os mercados globais trata a realidade como se ela fosse absoluta nos diferentes lugares. Por sua vez, a fração da nossa elite que pensa ter o umbigo enterrado em algum canto que considere Primeiro Mundo reproduz internamente o corolário da incerteza. Ora é a incerteza vertiginosa da velocidade, ora da volatilidade do capital, ora a hesitação provocada pela nova vulgata neoliberal da planificação do mundo. E é neste ponto especificamente que entra a pressão para o Brasil abrir mão da prudência e crescer no rabo de foguete das supostas vantagens comparativas e competitivas na corrida por espaços na globalização.

Qualquer nação com expectativa de futuro sabe que o ponto de equilíbrio do desenvolvimento é a cultura e, nesse aspecto, a nossa diferença da China, da Índia e da Rússia é altamente significativa. Somos outra civilização e temos outro destino. Estamos experimentando de maneira empírica uma das mais fantásticas experiências da história da democracia. Com todo o respeito a esses países, mas no longo prazo nenhum deles tem as condições que o Brasil dispõe para ser um país desenvolvido, dentro dos patamares mínimos de equidade social.

Ao me deparar com o frenesi de crescimento da China, da Índia e da Rússia, lembro da fantasia dos tigres asiáticos, que, nos idos dos anos 1970, foram apresentados ao mundo como se fossem bandas de música pop oriental. Primeiro, com a formação do quarteto Coréia do Sul, Taiwan, Hong Cong e Cingapura, e depois, com o sucesso de estrelas como a Malásia, Indonésia e Tailândia. O resultado é que não conseguiram sobreviver a um ou dois ataques especulativos da volátil roleta financeira internacional.

Mais recentemente passou-se a falar no BRIC, uma associação de dimensões continentais, populacionais, de mão-de-obra barata e interligação à rede financeira transnacional, identificada no Brasil, Rússia, Índia e China. Os economistas que fizeram esse agrupamento não levaram em conta as peculiaridades culturais desses países. Calcularam apenas que antes do ano de 2040, os países do BRIC formarão a maior força econômica do planeta, superando, juntos a economia dos EUA, Japão, Alemanha, França, Itália e Inglaterra. Na cabeça desses economistas, esse prognóstico já seria suficiente para que largássemos tudo o que somos para tentar ser os primeiros do mundo, como se o grupo das seis potências econômicas atuais estivesse morto.

É verdade que há pontos comuns entre os países do BRIC e é fundamental que eles sejam considerados. Todos têm forte influência regional, mercado consumidor interno e problemas de corrupção, mas, dos quatro, o mais democratizado e mais avançado por questões culturais e religiosas é o Brasil. Por outro lado, eles têm bombas atômicas e uma sólida tradição militar que não temos. São inúmeras as nossas diferenças. Além disso, é bom tentarmos saber o que se passa para Rússia, Índia e China estarem crescendo tão rapidamente, enquanto o Brasil segue em marcha lenta.

Pelo bem ou pelo mal, com avanços e recuos, o Brasil vem seguindo um processo de crescimento natural, enquanto os demais países do BRIC tem no crescimento uma novidade. A Índia, formada por camadas sociais hereditárias, passou a apresentar índices de crescimento em alta velocidade a partir da implementação de ilhas de avanços tecnológicos em um mar de pobreza e miséria, onde se destaca o quase inexistente custo de mão-de-obra.

A Rússia, que é o segundo maior exportador de petróleo e o maior produtor de gás do mundo, elevou sua taxa de crescimento com a reestatização de parte relevante da economia, inclusive dos meios de comunicação, do petróleo, da indústria e comércio de armas e tecnologia nuclear. O governo controla as forças armadas, o parlamento e não perseguiu os oligarcas da economia que floresceram na década de 1990, após o desmonte da ex-União Soviética, porque fez com eles um acordo de não importuná-los desde que eles não mexam com política.

A China, que tem sido a celebridade do crescimento mundial, é um país onde a história ainda é medida por dinastias, os direitos civis são apartados entre urbanos e rurais e que depende de carvão para 70% das suas necessidades de energia. O grande volume de investimentos estrangeiros que fez nascer sua suposta economia de mercado começa a ser visto como uma ameaça ao sistema de poder centralizado. Tanto que o governo acaba de determinar que vai reduzir a taxa de crescimento do país em 2007. A China é uma panela de pressão na cozinha da geopolítica corporativa e se não souber levantar bem a válvula para aliviar a pressão das suas extremas desigualdades, poderá explodir da forma mais dramática que o século XXI testemunhará.

Diante desses aspectos das nossas diferenças, percebo a pregação do nosso crescimento a qualquer custo como uma armadilha dos que apostam na incerteza. A crença de que a previsibilidade é uma situação boa para a maioria dos brasileiros, está estampada no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal. Entendo essa previsibilidade como preparação do País, a fim de conseguirmos o melhor desempenho na conexão com a economia mundial, sem, no entanto, sacrificar o que somos.